Imagens de pessoas jovens e atraentes movendo-se de bike nas grandes avenidas de Paris, morando em apartamentos amplos e luminosos e comprando delícias na boulangerie da esquina dão a primeira impressão de que “Amanda” será mais uma produção francesa feita para encantar turistas.
David (Vincent Lacoste) encarna esse ideal de vida leve e prazeroso com um trabalho informal de dar apoio a visitantes que alugam apartamentos mobiliados. Entre uma ida e outra à estação, ele ajuda a irmã, mãe independente, e busca Amanda (Isaure Multrier), a sobrinha de sete anos, na escola.
A mistura desse registro de ações banais com pequenas vibrações de afetos evoca o cinema de Eric Rohmer, mas a referência revela-se melhor no modo como o diretor Mikhaël Hers aproxima-se dos personagens, suprimindo o que eles poderiam ter de excepcional.
O extraordinário sobrevém quando David chega atrasado a um encontro marcado com a irmã e uma paquera num parque e depara-se com um massacre promovido por terroristas, evocação dos ataques ocorridos em Paris em novembro de 2015.
A brevidade das imagens de violência reafirma a aposta de Hers em um cinema discreto. A ruptura dramática força David a se responsabilizar pela sobrinha, a assumir um papel adulto inesperado. Em contraponto, Amanda também é levada a sair prematuramente do casulo da infância para cuidar desse “pai” que é também órfão.
O movimento dos dois personagens é captado sem sentimentalismos, evitando, por exemplo, nos chantagear com cenas da criança chorosa. A força do filme vem do modo como o diretor encontra meios
para representar a fragilidade, a sensação de medo e de insegurança que passa a fazer parte do cotidiano.
A reconfiguração do vínculo entre o jovem adulto e a pequena sobrinha simboliza, num primeiro momento, o efeito pós-traumático, o esforço para expressar o indizível. Mas, no lugar de lamentar a morte, “Amanda” prefere ser um filme sobre a vida, na medida em que valoriza a incerteza, o improvável e vincula o existir ao recriar.
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