O retorno da programação cultural após a pandemia também trouxe de volta preocupações comuns de quem frequenta shows, peças de teatro e exposições em São Paulo.
São dúvidas frequentes que aparecem em especial no caso de grandes apresentações de música com ingressos disputados, como aconteceu recentemente com o retorno da banda RBD e as turnês de Harry Styles e da banda Paramore.
Por que os ingressos se esgotam tão rápido e parecem caros, como as plataformas de venda evitam a atuação de cambistas e como se proteger de golpes ao comprar entradas de terceiros estão entre as questões que pipocam nas redes sociais.
Para responder a 15 dessas questões, a Folha ouviu especialistas, o Procon (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor) e a Abrevin (Associação Brasileira das Empresas de Venda de Ingressos), que representa plataformas de grandes eventos como Eventim, Livepass, Sympla e Ticket360. Confira abaixo.
Por que ingressos para shows grandes esgotam tão rápido?
Empresas afirmam que o fenômeno, já comum, se acentuou com o fim da fase mais aguda da pandemia. Um exemplo recente foram as vendas para os shows do RBD, em fevereiro, quando 700 mil pessoas estavam na fila para comprar 120 mil ingressos, que se esgotaram em dez minutos —média habitual para shows de grande procura, segundo a Abrevin.
Para atuar nesse sentido, as tiqueteiras costumam limitar a venda de ingressos para até quatro unidades por CPF. Além disso, filas virtuais ajudam, segundo a associação, informando o tempo estimado de espera até a compra e a posição do cliente até ser atendido.
O que as plataformas fazem para evitar a ação de cambistas?
A atuação de cambistas é um dos pontos vistos, pelo público, como responsáveis pelo esgotamento rápido de ingressos. A Abrevin, porém, diz que a atuação é evitada com uso de tecnologias como criptografia de dados, com a verificação de identidade e com o monitoramento para bloquear ações suspeitas.
As vendas, segundo a associação, são feitas com cadastro completo, validação de informações e sistemas que detectam tentativas de cadastros falsos, que cancelam automaticamente clientes suspeitos.
Por que há a impressão de que os ingressos estão caros?
Para a coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getulio Vargas, Claudia Yoshinaga, mais de um fator pode ser responsável por essa ideia.
Um deles é a inflação. Levando-se em conta que a comparação dos preços é feita com base em valores pré-pandêmicos, é natural que seja feita uma correção maior nos valores —o que pode assustar o consumidor. "A pessoa pode ter perdido a referência depois de tanto tempo, mas não deve comparar o valor com o do ingresso que pagou lá atrás", diz.
No caso de eventos com atrações internacionais, ela também destaca que a produção pode estar mais cara, o que impacta nas entradas —em 2019 a cotação do dólar, por exemplo, foi fechada em R$ 4,01, enquanto a de 2022 foi R$ 5,29.
Por fim, Yoshinaga lembra que vários levantamentos mostram que a renda do brasileiro que antes era destinada às atividades de lazer foi esmagada na pandemia e esse dinheiro foi absorvido por contas essenciais, o que também contribui para a impressão de que um ingresso pesa mais no bolso do que antes. "Agora que estamos voltando ao normal existe essa vontade de retomar o lazer, mas o orçamento ainda está comprimido por coisas mais básicas", diz.
Para quê serve a taxa de serviço e como ela é calculada?
As empresas dizem que a taxa de serviço serve para custear os gastos necessários para manter uma empresa de tickets aberta —que vão desde funcionários até o combate a fraudes. Segundo as empresas, o cálculo é feito com base nos custos de cada de transação, que leva em conta todos os aspectos do funcionamento do serviço.
Em quanto tempo posso desistir do meu ingresso após a compra? Como é feito o reembolso?
Para ingressos comprados virtualmente, o pedido de reembolso pode ser feito em até sete dias depois da compra, desde que a desistência seja comunicada antes que o evento aconteça.
Após este período ou no caso de apresentações que aconteçam em menos de uma semana depois da compra, as políticas de reembolso podem variar de acordo com o evento ou a empresa de venda. A dica é verificar as condições antes da compra do ingresso.
A Ticket360 informa que, no caso da desistência dentro do prazo, o reembolso é feito imediatamente. Os consumidores que comprarem por débito, Pix ou dinheiro da carteira digital ainda podem optar por sacar o montante ou utilizá-lo em outra compra na plataforma.
Posso pedir reembolso em caso de doenças, como a Covid?
A devolução também pode ser feita nesses casos, segundo o Procon, e é autorizada mediante a apresentação de atestado médico para a empresa de ingressos.
Meu evento foi cancelado ou adiado. Quais são as minhas opções? E no caso de festivais de música?
Cancelamentos ou adiamentos autorizam pedidos de devolução total dos valores pagos, a reutilização do ingresso quando o evento for remarcado ou o uso do crédito para outra atração.
A Abrevin, diz que, no caso de cancelamentos em festivais, a situação pode variar dependendo da atração —se o artista que não vai mais tocar for secundário e os principais nomes e número de shows forem mantidos, a associação entende que o reembolso só caberia caso se encaixasse nos sete dias de desistência previstos no Código de Defesa do Consumidor. O Procon, no entanto, diz que o cancelamento de alguma apresentação em um festival abre a possibilidade de reembolso, desde que pedida antes da realização do evento.
Como revender ou repassar meu ingresso?
A Abrevin destaca que o Brasil é um dos países com maiores níveis de fraude online e a forma mais segura de comprar ou revender ingressos é utilizando as ferramentas de transferência que as próprias plataformas oferecem. O problema, no entanto, é que nem todas o fazem —a Ticket360 oferece o procedimento e a Tickets For Fun não, por exemplo.
A associação destaca ainda que mercados secundários, como Viagogo, Stubhub, Funbynet e Eventbrite, não são regulamentados e podem estar sujeitos a fraudes, bem como o comércio via Facebook, Instagram, Telegram e WhatsApp.
Como evitar cair em um golpe?
Compre sempre em sites e bilheterias oficiais e mantenha recibos e quaisquer tipo de comprovantes para aumentar as chances de recuperar eventuais perdas. Em caso de ingressos repassados, o ideal é privilegiar sites de venda que tenham a opção de transferência nominal da entrada para a carteira virtual de outro cliente.
O que dá direito à meia-entrada para estudantes?
A meia-entrada é prevista em lei não só para estudantes, mas também para pessoas com deficiência, jovens de 15 a 29 anos comprovadamente carentes e idosos. Essa modalidade de ingressos deve corresponder a 40% do total das entradas vendidas para um evento, segundo decreto federal.
É importante ressaltar que a quantia disponível não deve ser dividida entre os tipos de beneficiários, mas a partir do fluxo de procura —ou seja, se entradas para estudantes acabaram, mas sobraram as de idosos, por exemplo, esses benefícios podem ser remanejados para o grupo com mais procura.
No caso dos estudantes, a comprovação deve ser feita com a Carteira de Identificação Estudantil (CIE) ou um documento válido nacionalmente, que pode ser expedido por entidades estaduais e municipais, centros e diretórios acadêmicos ou organizações como a União Nacional dos Estudantes (UNE), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Diretórios Centrais dos Estudantes (DCE).
Os comprovantes devem conter nome completo e data de nascimento, foto recente, nome da instituição de ensino, grau de escolaridade e data de validade até o dia 31 de março do ano seguinte ao da expedição.
Posso comprar meia-entrada de idoso sem ser idoso?
Embora o direito esteja reservado a pessoas com 60 anos ou mais, é comum que estudantes ou pessoas de outras categorias abraçadas pela meia-entrada comprem o ingresso para idosos em shows disputados.
Embora o Procon oriente que o consumidor nunca compre entradas de categorias diferentes do qual ele se encaixe, o órgão também diz que os organizadores não podem alegar que o ingresso é só para idosos se não houver ninguém desse grupo no momento da compra para adquirir os bilhetes. Idealmente, então, os ingressos ficariam disponíveis para qualquer pessoa abraçada pela meia-entrada até se esgotarem.
A orientação do órgão para o caso de a empresa alegar que a cota destinada à categoria do consumidor —meia de estudante, por exemplo— está esgotada é que o mesmo solicite a comprovação dessa informação. Caso não receba uma resposta, ele pode então registrar reclamação nos órgãos de defesa do consumidor. Outra opção é adquirir a entrada inteira e posteriormente questionar a falta da meia-entrada junto aos órgãos de defesa do consumidor.
Como comprovar a meia-entrada para pessoas com deficiência? O acompanhante também ganha o direito?
A pessoa com deficiência pode apresentar o cartão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a Carteira de Identidade Diferenciada ou a cópia do laudo médico, que deve incluir o Código Internacional de Doenças (CID) e a descrição da deficiência. O Procon diz que, caso a presença do acompanhante se faça necessária para a ida do consumidor ao evento, o direito à meia também é garantido a ele.
Como funciona a meia-entrada social ou solidária?
Ao contrário da meia-entrada tradicional, esta não é regulada por lei e, segundo o Procon, o evento não fica desobrigado de oferecer os 40% regulamentados ou cumprir o estatuto do idoso caso escolha oferecê-la.
Esta modalidade costuma ser destinada a pessoas que não se enquadram nas regras da meia-entrada, mas querem pagar por um ingresso mais barato que a inteira —nesse caso, os valores são um pouco superiores ao da meia prevista em lei e os ingressos são vendidos mediante doação de alimentos ou de parte do montante dos ingressos para projetos sociais.
Como é organizada a fila eletrônica?
Comum em vendas de ingressos para grandes eventos, a fila eletrônica, que às vezes parece durar uma eternidade, é usada pelas tiqueteiras para organizar o fluxo de milhares de clientes nas compras virtuais.
Minutos antes de os ingressos serem liberados, o consumidor recebe uma senha única e entra na fila —quem chega primeiro também é atendido e liberado primeiro, segundo a Abrevin—, tocada por programas com criptografia de dados e verificação de identidade. Isso, diz a associação, garante que só clientes legítimos façam suas compras.
O programa também limita o tempo de compra para acelerar o processo e tirar da fila de clientes que não acessem o site quando sua vez chegar.
Como funciona a divisão de ingressos entre sites e bilheteria?
A Abrevin diz que a reserva de ingressos para as bilheterias físicas seguem orientações dos produtores dos eventos, equipes de artistas e a orientação das plataformas, e levam em conta o tamanho da procura por ingressos de cada evento nas bilheterias físicas.
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