Ao dizer "chegou a hora do charminho, transe seu corpo bem devagarinho" em um baile no Méier, no Rio de Janeiro, o DJ Corello deu nome a um movimento cultural que florescia na cidade em 1980, o charme. Quarenta anos depois, os mesmos passinhos coreografados com música dançante se multiplicam em festas de São Paulo.
A história do charme começou quando bailes do Rio passaram a misturar o soul funk, com raízes no jazz e no R&B, à disco music, explica Dom Filó, 74, como é conhecido Asfilófio de Oliveira Filho. Engenheiro, jornalista, produtor e DJ, ele é nome central do movimento negro carioca.
O resultado foi uma combinação rítmica com batidas mais lentas que fez danças nascidas nos Estados Unidos ganharem mais suingue. Foi assim que coreografias americanas foram adaptadas para a ginga carioca.
"A inspiração veio da cultura dos passistas de samba com passinhos coletivos, que usam do quadril para baixo", lembra Filó.
Aos poucos, o charme ganhou também um aspecto estético que virou marca da população negra do Rio, e seus bailes ganharam fama. Um dos mais conhecidos é o Charme de Madureira, no viaduto Negrão de Lima, na região norte da cidade. Sempre cheio, se transformou em patrimônio imaterial da cidade em 2013.
Em São Paulo, músicas típicas do charme já eram populares, segundo Filó. Bailes black paulistanos, como o Chic Show, tocam hinos charmeiros, mas o movimento vai além da sonoridade.
Inclui ainda danças em linha, cujos passos foram criados por membros de comunidades periféricas ao longo de décadas, além de uso de roupas formais, como camisa social e sapato, nos bailes.
Parte dessa cultura veio à capital paulista com festas organizadas por grupos cariocas, como o Black Bom. Em 2022, a equipe produziu bailes na região leste e na região sul, a convite da Prefeitura de São Paulo.
"Foi um sucesso", diz Anthônio Consciência, um dos criadores do Black Bom. Desde então o grupo faz um baile recorrente no Carioca Club, em Pinheiros, na região oeste, onde reúne cerca de 1.000 pessoas por edição.
Outras festas similares, nem sempre organizadas por cariocas, surgiram em São Paulo. O Sampa Charme, do produtor cultural Sammy Ricardo, leva aulas de dança grátis ao Vale do Anhangabaú desde o ano passado. Ele organiza ainda bailes mensais no Espaço Nobre, na mesma região.
A expansão do charme é positiva, diz Consciência, mas traz desafios à preservação do movimento, principalmente pela perda de passos históricos e introdução de músicas que não fazem parte do cânone charmeiro.
"Charme não é simplesmente entretenimento. As pessoas dançam as mesmas músicas com os mesmos passos há mais de 30 anos", afirma ele.
Segundo a coreógrafa paulistana Monika Bernardes, que ministrou oficinas de charme nos Sesc 24 de Maio e Belenzinho nos últimos dois anos, alguns dos passos que ela aprendeu na infância funcionaram bem quando ela visitou bailes no Rio de Janeiro.
"São coreografias parecidas que fazem parte da cultura negra", diz Bernardes. Em seus workshops para iniciantes, cuja demanda aumentou, ela ensina a dançar como nos bailes. A dica é observar a repetição dos passinhos e ter coragem para começar a sequência se algo der errado. Mas não há o que temer, diz a professora. "É um movimento bem democrático".
Veja, a seguir, locais para experimentar o charme em São Paulo.
Baile da Luxury
Surgiu em 2012 e tocava somente black music, mas hoje inclui outros estilos, como afrobeat e DC house. Acontece uma vez por mês no Hey Hey Club, na região central da capital. A programação inicia com um aulão de charme e os participantes seguem dançando os passinhos aprendidos no decorrer do evento. Os sets são conduzidos por Alex Black, mas outros DJs já fizeram participações. É possível comprar ingressos no Sympla ou na hora.
R. Marquês de Itu, 284, Vila Buarque, região central. Sáb (7) e (21), às 23h. De R$ 25 a R$ 50, @baile_da_luxury
Black Bom
O grupo carioca foi um dos pioneiros a trazer bailes de charme para São Paulo. Em setembro (21) e outubro (19), organizam eventos do estilo no Carioca Clube, em Pinheiros. Fazem festa também no dia 23 de novembro na 4ª Expo Internacional do Dia da Consciência Negra. Pensados para toda família, os bailes vão das 16h à meia-noite. Na setlist do DJ, só toca charme. No início, há um aulão para iniciantes. Os ingressos variam entre R$ 30 e R$ 50.
R. Cardeal Arcoverde, 2.899, Pinheiros, região oeste, @baileblackbom
Radial
Leva o nome de uma antiga casa de shows do Tatuapé, hoje fechada, que tocava black music. Ao longo do ano, o projeto organiza festas com DJs que tocam gêneros musicais como samba rock e charme de anos 1990 a 2000. A próxima acontece dia 14 de setembro, na Fieldzone, na região leste. No baile, cujos ingressos variam de R$ 30 a 50, há uma equipe responsável por puxar passinhos.
Neo Química Arena - av. Miguel Ignácio Curi, 111, Itaquera, região leste. Ingressos em clubedoingresso.com
Sampa Charme
Criado em 2023 pelo paulista Sammy Ricardo, tem aulas gratuitas toda segunda, das 20h às 22h. Entre os professores, há dançarinos que aprenderam o ritmo no Rio. Eles passam as orientações por microfone, em cima de um palco enquanto o público repete os movimentos em um espaço aberto. Uma vez por mês o projeto organiza um baile de charme no Espaço Nobre, no centro histórico, com ingressos antecipados a R$ 20. Antes de começar, o evento organiza um aulão de passinhos para o público.
Vale do Anhangabaú, centro histórico, @sampacharme_sp
Som do Bom
O projeto nasceu em 2016 na esteira do Programa Ruas Abertas, que fechou a avenida Paulista para carros aos fins de semana. A iniciativa trouxe para a via músicos de estilos que incluem samba rock e black music, caso do Som do Bom. O grupo de DJs se reúne no primeiro e terceiro domingos de cada mês, das 10h às 16h. Na caixa de som, a setlist de charme começou a ser montada pelo DJ Gran Master Ney, que tocou no Chic Show no Allianz Parque neste ano, mas as músicas incluem também outros estilos. Os passinhos, livres para quem quiser entrar, são simples, pensados para todas as idades.
Av. Paulista, 771, Bela Vista, região central, @somdobomoficial
The Baile Charme
O evento, que começou como um projeto de aulas de charme, acontece mensalmente sempre aos sábados. A programação conta com sets do DJ Nego Jotah, que traz destaques da black music, hip hop, new jack swing, soul e dance hall. A Santa Facul, espaço em que o baile acontece, fica a 550 metros da estação de metrô Bresser-Mooca da linha Vermelha, na região leste da cidade. O ingresso custa R$ 10 até a meia-noite e pode ser adquirido pela plataforma Sympla.
R. Conselheiro Lafaiette, 93, Mooca, região leste. Sáb (28/9), às 22h. de R$ 10 a R$ 20, @thebailecharme
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