Bom ator, cineasta peca nos excessos de sentimentalismo

Crítica

Um artigo de revista transformou o cineasta estreante Nate Parker no Donald Trump de Hollywood.

Diante da revelação de que Parker fora acusado de estupro (e inocentado) em 1999, feministas e até uma atriz do filme publicaram outros textos de repúdio. Lançado nos cinemas americanos há três semanas, teve bilheteria decepcionante.

Seria hipocrisia julgar a estreia de Parker na direção à luz de seus problemas passados com a lei. Especialmente quando crítica, público e a Academia de Hollywood jamais deixaram de prestigiar cineastas como Roman Polanski e Woody Allen, ambos acusados de terem tido relações sexuais com menores.

Nate Parker e Aja Naomi King em cena de "O Nascimento de uma Nação"
Nate Parker e Aja Naomi King em cena de "O Nascimento de uma Nação" - Jahi Chikwendiu; AP

"O Nascimento de uma Nação" responde ao filme homônimo de D.W. Griffith (1875-1948), que glorifica a Ku Klux Klan e exibe estereótipos sobre negros.

Em seu filme, Parker retrata a história do escravo-pastor Nat Turner (1800-1831), que cresceu em fazenda do Sul dos EUA com donos mais, digamos, benevolentes.

Foi amigo do filho branco, Samuel (Armie Hammer), e, por meio da mãe dele, Elizabeth (Penelope Ann Muller), aprendeu a ler. Radicalizou-se e liderou, em 1831, a mais sangrenta rebelião antiescravocrata do país.

O levante deixou 60 brancos mortos, incluindo mulheres e crianças. Também inspirou artistas: do pintor Kerry James Marshall (leia ao lado) ao escritor William Styron (1925-2006), vencedor do Pulitzer em 1968 pelo livro "As Confissões de Nat Turner".

O livro de Styron é mais condenatório que o filme de Parker, cuja releitura da história sintoniza seu herói com as tormentas atuais de cidadãos negros desarmados abatidos pela polícia.

No papel de Turner, Parker revela-se bom ator. Sutil até em cenas de selvageria desconcertante. Seu problema é como diretor, abusando do sentimentalismo e do classicismo, de olho no Oscar.

É piegas com close-ups de borboletas (representando a liberdade) e velas incandescentes (coito). A música, romântica e excessiva, dá a impressão de que Ralph Fiennes vai cruzar o céu num avião a qualquer instante, como em "O Paciente Inglês".

São pequenas cenas, como a da mulher de Turner, Cherry (a magnífica Aja Naomi King), ruminando sobre a matança injustificada de negros, ou a brutal insurreição conduzida pelos escravos que colocam a história na linha.

Para Parker, resistência é uma opção. Pena que seu lado radical seja inibido pela narrativa formal.

Confira toda a programação no site do "Guia" da Mostra.


O NASCIMENTO DE UMA NAÇÃO
DIREÇÃO
Nate  Parker
ELENCO Nate  Parker, Armie  Hammer, Aja Naomi  King
PRODUÇÃO EUA, 2016, 14 anos
MOSTRA amanhã (28), às 20h15, Cinearte 1; sáb. (29), às 21h15, Frei Caneca 1; qua (2), às 20h40, Itaú Augusta 1
QUANDO estreia em 10/11
AVALIAÇÃO bom

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