Diretor japonês dá amplitude a crises cotidianas em 'Depois da Tempestade'

Uma senhora, viúva há pouco, conversa com a filha na cozinha sobre a inconveniência de fazer novos amigos na velhice. Uma vizinha reencontra, na rua, um antigo colega de escola, que se transformou em escritor e está por ali para recuperar objetos na casa do pai morto. Logo saberemos que ele é filho daquela senhora e que seu relacionamento com a irmã não é lá muito amigável.

O casual e o fortuito são recursos com os quais Hirokazu Kore-eda constrói seus filmes, que assim atraem um público disposto a se encantar por histórias que projetam graça sem se preocupar em mostrar algo excepcional.

A característica mais notável de seus filmes é o sentimento de familiaridade. "Depois da Tempestade" é semelhante ao conhecido que revemos uma vez por ano na Mostra, que toda vez parece estar um pouco diferente, mas que em pouco tempo de conversa confirmamos ser o mesmo.

Como os tufões, um evento tão recorrente que os japoneses aprenderam a tratar sem sobressaltos. Também como as disputas domésticas, situações que atrapalham durante algum tempo e depois passam sem deixar mágoas.

Por isso, no novo filme de Kore-eda, o temporal é passageiro e o que se passa dentro de casa ganha tanta importância. Trata-se de uma herança não apenas do cinema de Yasujiro Ozu, de seus dramas minimalistas sobre pais e filhos, mas de uma filiação mais ampla com o "shoshimingeki", gênero que o cinema japonês pratica para retratar com graça realista os distúrbios no cotidiano da classe média.

MOSTRA DE CINEMA    DEPOIS DA TEMPESTADE  UMI YORI MO MADA FUKAKU     DEPOIS DA TEMPESTADE   Ryota, um escritor em decadência, trabalha como detetive particular. Ele desperdiça o pouco dinheiro que
Os atores Abe Hiroshi (Ryota) e Yoshizawa Taiyô (Shingo) em cena do filme ‘Depois da Tempestade’, de Hirozaku Kore-eda - Divulgação


A dificuldade maior aqui não é representar os terremotos, mas registrar os tremores, ou seja, dar importância ao imperceptível.

Para isso, Kore-eda explora os espaços reduzidos das moradias, coloca a câmera na mesma proximidade que os personagens têm de conviver e se interessa pelo que se passa entre eles. Captar as posições e razões de cada um dá ao cineasta condições de assegurar a impressão de neutralidade do ponto de vista.

Como a senhora Yoshiko aguentou tantos anos de convivência com um marido cheio de vícios? Por que Ryota não abandona sua fracassada trajetória como escritor? Se o filme parte desse tipo de problema, não faz nenhum esforço para dar respostas.

No entanto, essas questões é que dão vida e espessura aos personagens de Kore-eda, permitem que ele filme o banal sem cair na irrelevância.

O que assistimos em "Depois da Tempestade" é muito semelhante ao que protagonizamos no dia a dia. A diferença é que, projetados no cinema, os dramas mínimos que quase não percebemos ganham a devida atenção.


DEPOIS DA TEMPESTADE (UMI YORI MO MADA FUKAKU)

DIREÇÃO: HIROKAZU KORE-EDA

ELENCO: Abe Hiroshi, Maki Yôko, Yoshizawa Taiyô

PRODUÇÃO: Japão, 2016, 18 anos

MOSTRA 25/10, 19h45 (Cinearte 1); 27/10, 13h30 (Espaço Itaú - Frei Caneca 1); 29/10, 21h30 (Cinemark Cidade São Paulo)


DESTAQUES DO DIA

DE PUNHOS CERRADOS

(Itália, 1965, 14 anos)

Alessandro decide aliviar o fardo do irmão mais velho, Augusto, o único são em uma casa atormentada por doenças genéticas. Para ajudá-lo a deixar o lar e livrar-se dos tormentos da família disfuncional, Alessandro toma medidas drásticas

QUANDO: 14h, no Espaço Itaú - Augusta 1


O PLANO DE MAGGIE

(EUA, 2015, 16 anos)

John termina seu casamento infeliz com Georgette para formar uma nova família ao lado de Maggie. Quando se vê infeliz no relacionamento, ela recorre a um plano mirabolante para devolver o parceiro à ex-mulher

QUANDO: 16h, no Espaço Itaú - Frei Caneca 2


O ÚLTIMO TRAGO

(Brasil, 2016 14 anos)

Em épocas e lugares distintos, personagens se interligam em uma história de espírito revolucionário

QUANDO: 16h30, no Cinearte 2


24 SEMANAS

(Alemanha, 2016, 16 anos)

Grávida de seis meses, a comediante Astrid descobre que o filho que espera nascerá com sérios problemas. Ela e o marido, Marcus, têm pouco tempo para decidir se interrompem ou não a gravidez avançada

QUANDO: 21h40, no Cinesala

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