Luciano "Todo Duro" Torres, boxeador pernambucano autointitulado "matador de baianos", já havia reservado um caixão para Reginaldo "Holyfield" Andrade. Mas não se conteve e estapeou o adversário antes da luta.
A pirraça agravou a mais pitoresca rivalidade nordestina, abraçada por torcedores de Salvador ávidos pela morte do recifense como num coliseu. Derrotado, precisou ser escoltado pela polícia sob uma chuva de cadeiras e garrafas e gritos de "vai morrer".
A rixa ganha ares tragicômicos no documentário "A Luta do Século" (2016), do diretor soteropolitano Sérgio Machado ("Cidade Baixa" e "Quincas Berro D'Água").
Percorre com irregularidade três palcos. O mais conhecido deles é o mise-en-scène criado para promover as lutas ao longo de duas décadas.
Repórteres de TV temiam entrevistá-los lado a lado porque o confronto começava ali, ao vivo, como aperitivo.
A narração em off, por vezes redundante, faz diagnóstico preciso. A dupla perdeu a noção do limite entre o teatro para promover o evento e o ódio que sentia do adversário.
Com imagens de arquivo e recortes de jornais, Sérgio Machado evita o preguiçoso e frequente uso de entrevistas para contornar a falta de material histórico, além abster-se de mergulhos sociológicos na rivalidade regional.
O diretor antes mirava o segundo palco: seus cotidianos. Em 2014, Todo Duro entregava panfletos e Holyfield buscava recursos para um projeto social. "A Luta do Século" remeteria às rotinas sofridas.
Mas uma sétima luta foi anunciada durante as gravações, alterou o rumo do filme e deu novo sentido ao título do documentário.
Aos moldes de "O Campeão", o retorno promissor ao terceiro palco, o ringue, acaba por desarranjar o longa.
A direção de fotografia encanta ao acompanhar a preparação dos lutadores a meia distância, tranquila, como um membro secundário das equipes que vagam por quartos de hotéis baratos, vestiários humildes e ginásios lotados.
Mas a montagem perde ritmo e equilíbrio. Se a memória dos embates é o ponto alto, deixa a desejar o retrato íntimo dos ídolos que saíram da miséria e a ela voltaram. Registros do cotidiano pouco acrescentam aos personagens.
A reflexão essencial sobre teatralidade e ódio fica inconclusa. Afinal, o que acontecia com as câmeras desligadas?
Confira toda a programação no site do "Guia" da Mostra.
A LUTA DO SÉCULO
DIREÇÃO: Sérgio Machado
ELENCO: Luciano "Todo Duro" Torres e Reginaldo "Holyfield" Andrade
PRODUÇÃO: Brasil, 2016, 12 anos
QUANDO: 23/10, 16h40, (Espaço Itaú - Frei Caneca 1); 28/10, 15h30 (Espaço Itaú - Augusta 1); e 29/10 (Cinesala)
CLASSIFICAÇÃO: bom
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