Jim Jarmusch faz exaltação precisa da banalidade em 'Paterson'

Crítica

Todo dia Paterson faz quase tudo sempre igual. Sacode-se às seis horas da manhã. Faz um carinho pontual na mulher antes de encher a boca de Sucrilhos. Caminha até a garagem de ônibus onde trabalha como motorista.

Tudo pode acontecer a um coletivo no cinema, como ser sequestrado ("Velocidade Máxima"), se exilar ("Na Natureza Selvagem"), nunca chegar ("Forrest Gump"), integrar uma banda ("Quase Famosos"), cruzar o deserto ("Priscilla"), virar um gato ("Meu Amigo Totoro") e ser destruído (filmes com ataques alienígenas). Inclusive nada, caso de "Paterson"(2016), de Jim Jarmusch.

Paterson (Adam Driver) e Laura (Golshifteh Farahani) em cena de 'Paterson', de Jim Jarmusch
Paterson (Adam Driver) e Laura (Golshifteh Farahani) em cena de 'Paterson', de Jim Jarmusch - Divulgação


Não há trama, conflitos, reviravoltas, flashbacks. Coloca-se uma lupa sobre a vida de um personagem por uma semana qualquer e aguarda-se a imersão de sua essência. Sem a muleta de grandes acontecimentos, como retratar Paterson sem soar a verbete de enciclopédia?

A apresentação tem cadência exemplar. O motorista de ônibus (Adam Driver) que escreve poesia antes do expediente mais parece um passageiro. Conduz, ou deixa-se conduzir, por rotas estabelecidas enquanto trabalha, convive com a mulher ou passeia com seu cachorro.

O animal antagonista reage, subverte. Paterson observa seus dias parecidos sem angústias ou vazios. A alienação presumível revela-se um estilo de vida avesso à modernidade e com traços budistas. O personagem resiste a usar celular, ama o outro como ele é e suporta a vida mundana por meio das pequenas coisas. Aflora daí a matéria-prima de sua escrita, curiosamente sem métrica nem rimas e apresentada com a cafonice de letras sobrepostas à imagem.

Sem pressa, Jarmusch exibe domínio total sobre as expectativas do público. A repetição torna marcantes as pequenas variações diárias, ofuscadas na vida pela espera do extraordinário. A exaltação precisa da banalidade evita que "Paterson" descambe para o tédio ou a autoajuda.

Confira toda a programação no site do "Guia" da Mostra.


PATERSON
DIREÇÃO Jim Jarmusch
ELENCO Adam Driver, Golshifteh Farahani, Helen-Jean Arthur
PRODUÇÃO EUA, 2016, 12 anos
MOSTRA 27/10, às 21h40 (Frei Caneca 1); 28/10, às 21h35 (Belas Artes 1)
AVALIAÇÃO muito bom 

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