"Como diz Jorge Ben, 'o negro é lindo'. Todos os pretos e pretas precisam saber disso. O Dia da Consciência Negra tem que ser todos os dias", diz o rapper Dexter em entrevista ao "Guia".
O músico se apresenta no evento Consciência Negra em São Paulo, que recebe shows e outras atividades no Vale do Anhangabaú, região central da cidade.
Desde 1990 no cenário do hip-hop nacional, Dexter compôs seus primeiros trabalhos influenciado por nomes como Public Enemy, NWA, Kool Moe Dee e Racionais MC's. Depois de cometer o segundo assalto para levantar dinheiro para a gravação de um disco, ele foi preso.
Em 1999, já no Carandiru, ele fundou o grupo 509-E e produziu "Provérbios 13" e "MMII DC (2002 Depois de Cristo)". Em carreira solo desde 2005, lançou "Exilado Sim, Preso Não", e, em 2009, "Dexter & Convidados".
Vale do Anhangabaú, s/nº, região central, s/tel. Palco principal: qua.: 17h. Os Danados, Menor do Chapa, Menor HM, Negra Soul, MC Pet Daleste, MC Léo da Baixada e MC Thauane, qua.: 18h. Turma do Pagode, qua.: 19h. Dexter, qua.: 20h. Keith Sweat, qua.: 21h. Emicida, qua.: 22h. Livre. GRÁTIS
ABAIXO, CONFIRA ENTREVISTA COM O RAPPER:
Guia - Poderia me falar os nomes de jovens rappers e onde eu poderia ouvi-los?
Dexter - Essa molecada nova faz rap há um certo tempo, mas não sai na mídia. O X da Questão, de Sorocaba, é muito bom. Tem letras politizadas. Você escuta mais em festas da periferia. No dia 19 de novembro vô tá lá em Sorocaba e eles tocam também. É uma oportunidade de ver. O grupo Pregadores do Gueto, da zona leste, tem uma veia gospel. Eles são crentes e as músicas falam muito do poder de Deus. Gosto bastante, tem um público específico.
E cinco lugares na periferia para fazer um rolê.
Vamos lá.
1-Campo do Guaianases, na zona leste. Além de jogar uma bola lá, a gente reúne um pessoal que gosta de rap e de samba pra fazer um som. A gente tá lá todo domingo.
2- A padaria Pingo de Mel lá na Paulo Faccine, em Guarulhos. O dono curte rap lá. Gosto de colar.
3-Vila Fundão, no Capão Redondo, na zona sul. Tem a loja Fundão lá, onde a gente pode comprar uns panos, fazer o dinheiro circular entre a gente. Vou na loja da Fundão sempre que tenho tempo. É um ponto de cultura.
4-Casa do DJ Kaiki, em Santana, na zona norte. Eu gosto de colar para curtir um som. Lá ouvimos coisas novas. É a casa dele mesmo, mas é só procurar que ele recebe de braços abertos. 5-Casa Azul, no Capão Redondo, na zona sul. Fica na avenida Sabin. O [Mano] Brown sempre faz um som. Tem a loja do Ferrez, sempre olho pra ver a moda periférica, pra saber o que a rapaziada ta vestindo.
O que acha da "desmarginalização" do rap?
Eu acho que chegou a hora de entenderem que o rap é musica boa. O rap tem que estar onde o povo está. Nossa música é boa, os playboy estão ouvindo também, os sociólogos... O rap é a música do povo.
Qual a importância de ter um dia da Consciência Negra?
É importante. Acho que o Brasil deve isso ao nosso povo, que trabalhou pra construir esse pais. Zumbi é um grande herói, é simbólico. Porque o Dia da Consciência Negra tem que ser todos os dias. Todos têm que ter essa consciência da valorização do nosso povo. O negro tem que ser auto-valorizar. Como diz o Jorge Ben, "o negro é lindo". Todos os pretos e pretas precisam saber disso. Nossa história é repleta de reis e rainhas. Não é o que os livros didáticos mostram, nem a TV. Eu comemoro, não a consciência, mas imortalidade de um homem que morreu pelo seu povo. Eu comemoro a imortalidade Zumbi. Somos 70% nesse país. Por que somos minoria nos canais de TV, nas redações? Temos que valorizar o homem e a mulher negra. Não podemos aceitar o que o sistema nos colocou desde a libertação. Temos que contrariar a estatística.
Por que você foi preso? Li que tem algo a ver com 7 assaltos...
6 assaltos. Foi por amor que eu empunhei uma arma. Eu queria propagar minha ideia através da música. A gente recebeu o convite de uma gravadora e pouco depois, já em estúdio, um sócio roubou o outro. O cara que tinha contratado a gente disse que não ia mais poder gravar. Fiquei frustrado. Sempre tive disposição pra correr e pra trabalhar. Resolvi fazer minha própria corrida. Infelizmente, ou felizmente, porque Deus tem um caminho pra cada um de nós. Meu segundo assalto deu errado e daí em diante... fui preso, fugi, cometi mais quatro assaltos em dois dias. Quando voltei preso, decidi que não queria mais isso.
Mas quando você fala que foi por amor... está legitimando o que fez?
Não de maneira nenhuma. Quando fui preso, eu era um jovem de 24 anos. Na minha mentalidade da época, eu precisava de dinheiro e precisava arrumar da maneira mais rápida. Era a maneira mais fácil. Hoje tenho 40. Não penso mais assim. Vi jovens morrendo cedo. A prisão é outro mundo, é outra coisa. O hip-hop me fez crescer.
Pq o grupo 509-E acabou?
Não gosto muito de falar sobre isso. Cada um seguiu sua vida.. O grupo acabou e a decisão foi minha. O Afro X [membro da antiga banda] saiu da prisão e decidiu trilhar uma caminhada que não era a minha. Eu fui cuidar da minha vida. O hip-hop é uma cultura de transformação. E quem foge disso está fora do meu contexto...
E o projeto de ressocialização de sentenciados Como Vai Seu Mundo? Como vai funcionar?
Trabalhamos dois anos e meio com esse projeto, mas por motivos burocráticos paramos. Estamos estudando a melhor forma de voltar, falando com a secretaria da Igualdade Racial.
A ideia é apresentar a arte como uma possibilidade, acender a chama de esperança dessas pessoas que deveriam ser assistidas pelo Estado. O hip-hop está inserido, oficinas de fotografia, de vídeo, de jornal também.
Vocês notaram mudanças no período que o projeto estava ativo?
O sangue daqui a pouco não vai tá debaixo da ponte, vai tá jorrando. O crime está crescendo muito. Nos dois anos e meio que a gente produziu na penitenciária de Guarulhos, a gente viu pessoas que ficavam o dia inteiro jogando bola e fumando maconha, produzindo quadros, fazendo música. Elas precisam de uma nova chance. Não podem sair de lá e continuar sendo quem elas são. A gente tá cansado de ver o crime na TV e no jornal. Eu sou um rapper, eu faço parte da cultura do hip-hop, que me salvou e salvou um monte de gente da minha geração. Claro que ninguém é obrigado a nada. Estamos levando uma oportunidade de transformação, de sobrevivência. A ideia é retomar no ano que vem.
Tem alguma mudança?
A gente trabalhava no semi-aberto, que é o período em que o reeducando tá com o pé na rua e outro na prisão. É um momento de muita importância, que ele vai decidir o que fazer. A gente também vai começar a atender pessoas em regime fechado. O que é muito bom. Passei 13 anos dentro da prisão. Foi com o hip-hop que eu consegui confiança. Mas é claro que hoje, somos só formiguinhas... A tendência é que lá na frente isso vire política pública, possa ser feito em outros presídios. A ideia é propagar a ressocialização. Porque é muito difícil falar de inserção para pessoas que nem sequer foram inseridas... Sempre vivemos à margem. A gente leva diversas atividades para que esses indivíduos se descubram. Se ele ficar nessa [no crime], ele vai morrer. Na mão da polícia ou na mão do crime.
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