Crise financeira atrasou estreia de "Na Estrada", diz Walter Salles

Crédito: Reprodução/TV Folha

Desde o seu lançamento, há quase 60 anos, espera-se por uma versão cinematográfica de "On the Road", lendário livro norte-americano escrito por Jack Kerouac, que, mais tarde, viria a se tornar a "Bíblia da geração beat".

A hercúlea tarefa de adaptar o livro para as telonas foi finalizada pelo brasileiro Walter Salles (de "Diários de Motocicleta" e "Linha de Passe") --"Na Estrada" estreia nesta sexta-feira (13) nos cinemas.

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O diretor conversou com o "Guia" sobre as dificuldades e a produção do filme.


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Guia Folha - Que diferenças você teve ao filmar "Na Estrada", em relação a filmes como "Terra Estrangeira", "Diários de Motocicleta" e "Central do Brasil", todos "road movies"?
Walter Salles - O ponto de partida de todos esses filmes é o fato de que, na largada, você tem personagens que estão insatisfeitos com o que a sociedade lhes oferece e querem ampliar essas possibilidades. São personagens que tentam redefinir um futuro. A diferença desse projeto em relação a todos os outros é que ele se passa em uma geografia muito específica, a geografia norte-americana, e os personagens que estão nesse Hudson, nesse velho carro de 1949, estão em busca de uma última fronteira, desta última fronteira norte-americana.

Uma biógrafa do Kerouac diz que o que torna este relato interessante é o fato de que é também uma narrativa sobre o fim da estrada, que justamente prenuncia o fim do sonho americano. O território já foi todo ocupado, há pouco para descobrir, e é por isso que esses personagens vão entrar em colisão com essa cultura.

Você pretende lançar o documentário, seu próprio "On the Road", que filmou em busca da ficção?
Esse documentário, como tem mais de 100 horas filmadas, requer um processo de montagem que eu pretendo retomar logo depois do lançamento de "Na Estrada" em diversos países. Então, a ideia é ter, antes do final do ano, uma montagem de aproximadamente duas horas que será uma narrativa sobre a busca de um filme possível baseada no livro do Kerouac.

Existe uma versão de 60 minutos que foi montada pro Festival de São Francisco de 2010, quando eu achava que o filme de ficção não existiria. Mas é um ponto de partida interessante pra essa montagem final, em que muitas coisas ainda vão mudar, inclusive o título. O título dessa versão de 60 minutos é "Searching for On the Road", e, na verdade, eu gostaria de mudar, de trabalhar com outro título, mas eu não sei exatamente qual ainda.

Crédito: Divulgação Sam Riley interpreta Sal Paradise, alter ego de Jack Kerouc no filme "Na Estrada", adaptação para os cinemas de "On the Road"

Porque você encontrou alguma outra coisa?
Não, mas porque eu justamente gostaria de achar uma outra coisa. Porque foi feito um filme de ficção e eu gostaria de refletir sobre esse filme. Por meio do documentário.

Quando você realizou o documentário não imaginou que a ficção fosse existir?
Não, no início do documentário eu imaginei que a ficção pudesse existir, mas, em 2010, quando eu montei a versão de São Francisco, você lembra, foi depois daquela crise econômica de 2008. Eu achei que o filme não ia existir. Foi logo depois disso que a união de vários distribuidores europeus permitiram a existência do longa.

Lendo o livro, é difícil dissociar os personagens de seus respectivos reais. Na hora de construir o filme, você buscou, por exemplo, características do Jack Kerouac para o Sal Paradise de Sam Riley?
Quando a gente fez o "Diários de Motocicleta", o Alberto Granado, que tinha sido o instigador daquela viagem, falou: "Olha, lembrem-se que éramos dois jovens de 23 anos que não tínhamos ideia do que era a América Latina e não tínhamos ideia do que nós seríamos à frente". Então você tem que partir com essa, os personagens não podem saber mais do que eles sabem no ponto de partida. O filho do Neal Cassady, que veio falar com a equipe inteira antes da filmagem, nos disse exatamente a mesma coisa, "lembrem-se que são jovens de 18 anos que não tinham ideia que dez anos depois eles iriam participar de um movimento chamado geração beat. Esses personagens estão em busca de algo que eles não conseguem, ainda, nomear".

Quando o livro saiu, ele foi criticado pelo fato de que ia em muitas direções, que não tinha um vetor de desenvolvimento específico. Eu não concordo com essa visão, mas eu acho que, se isso acontece, é porque ele reflete justamente esse processo de busca constante de quem tem essa idade e tenta encontrar respostas pra uma multitude de perguntas que ainda não sabem quais são. Se os personagens tivessem consciência daquilo que eles seriam no futuro, eles já teriam uma visão crítica daquele presente, e eles não poderiam ter.


É o seu quarto filme que tem como ponto de partida um livro (entre eles "Abril Despedaçado" e "Diários de Motocicleta"). Que desafios você vê em roteiros adaptados?
Acho que tudo depende do tipo de adaptação, do material que está sendo adaptado. Por exemplo, o "Blow Up", do Antonioni, é adaptado com conto do Cortázar, mas é uma adaptação absolutamente livre desse conto. Já o "Leopardo", do Visconti, é uma adaptação absolutamente precisa do romance do Lampedusa. Tem muita gente que diz que é mais fácil adaptar um conto do que um romance por uma razão clara: o conto tem muito menos material e você pode expandir em vez de ter que eleger as partes do livro que farão parte do filme.

Eu te diria que uma adaptação carrega, evidentemente, uma responsabilidade adicional, e, no caso de "Diários de Motocicleta" ou do "On the Road", essa responsabilidade não é pequena. Mas, nos roteiros originais uma outra responsabilidade continua existindo, que é a necessidade de você estruturar uma história e arquitetá-la de uma maneira que faça sentido. Com personagens que sejam igualmente complexos.

Quanto tempo você demora para roteirizar e desenvolver um filme?
Demora tempo, muito tempo. Pelo menos pra mim. "Central do Brasil" levou quatro anos para passar do ponto inicial da ideia até a existência do filme. Ao mesmo tempo, é uma história original e foram 25 versões do roteiro. "Diários de Motocicleta" levou, também, 20 e poucas versões de roteiro pro mesmo tempo de desenvolvimento. Para "Na Estrada", o tempo de desenvolvimento foi mais longo, mas foi por causa das crises financeiras que foram atrasando o processo. E foi a primeira vez que fiz um documentário para buscar o filme.

Os direitos do filme estavam com Francis Ford Coppola desde 1979. De alguma forma ele interferiu no filme?
Acho que o Coppola, em 1979, tinha o desejo de fazer o filme, mas depois esse desejo se traduziu em filmes que são primos dessa narrativa, que são "Rumble Fish" ["O Selvagem da Motocicleta"] e "The Outsiders" ["Vidas sem Rumo"], dois filmes próximos. Aí ele passou a incumbência da adaptação pro filho dele, o Roman Coppola, que se tornou meu melhor companheiro de viagem. Foi ele quem acompanhou todas as etapas do processo.

Ele foi com você fazer o documentário?
Ele se encontrou comigo durante a roteirização, durante a filmagem, durante a montagem. Foi um companheiro de viagem fundamental.

Você pretende fazer um filme com Gael García Bernal na Argentina? Que outros projetos você pretende tocar depois de "Na Estrada"?
Uma coisa é você desenvolver algo, e outra coisa é você realmente conseguir fazer aquilo. De três a quatro projetos que você desenvolve, um se concretiza realmente. O que eu gostaria agora é de ter tempo para ler, ver filmes, estudar e dar tempo pros meus filhos, que tem três e cinco anos e que eu vi pouco nos últimos tempos. Meu projeto é esse agora. Do ponto de vista de trabalho, eu estou desenvolvendo dois roteiros e espero que eles se transformem em filmes. Agora, quanto tempo isso vai durar...

E sobre voltar a trabalhar no Brasil?
Eu gostaria de filmar no Brasil ou na América Latina meu próximo filme. Acho que você não pode se distanciar da realidade por mais de um filme. A força expressiva de um cineasta está na proximidade de suas raízes. E ficar longe em excesso acho que não faz bem. Quando você ganha um pouco de distância, você consegue ver melhor. "Terra Estrangeira" e "Socorro Nobre", por exemplo, tomaram corpo quando eu não estava no Brasil, mas estava pensando sobre o Brasil e sobre o que eu gostaria de fazer aqui. Às vezes, você não precisa estar "in loco" para poder pensar sobre a própria terra. Mas você também não pode ficar distante. Eu nunca quis morar fora do Brasil, sempre rejeitei essa ideia.

Acho que é possível você filmar numa outra cultura, mas pra isso você tem que morar lá. Você tem que querer. Os cineastas que foram obrigados a fazer isso durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, o caso do Billy Wilder, não tinham opção e resolveram pertencer a uma outra cultura. Eu acho que o Wilder conseguiu falar daquela cultura de uma forma extremamente relevante, mas ele fez essa opção. Já o Jean Renoir, que é um grande cineasta francês e que foi obrigado a se exilar durante a guerra, nunca quis realmente ficar ali, e os seus filmes norte-americanos não têm a mesma força que os filmes feitos na Europa. Eu sinto vontade, agora, de ficar aqui.

Informe-se sobre o filme

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