Móveis e objetos que parecem ter saído da década de 1970 compõem o cenário no qual Agnes (Kelly Macdonald) é apresentada ao público. A iluminação opaca e amarelada ajuda a criar o clima retrô.
Na sequência, uma festa de aniversário esquisita e entediante revela mais algumas pistas sobre a personagem. Uma dona de casa submissa e monossilábica, tomada por um espectro bastante melancólico.
Somente quando Agnes abre seus presentes —entre eles, um iPhone—, “O Quebra-Cabeça” se revela um filme atual. Ao menos para quem não assistiu ao drama argentino “Rompecabezas” (2009), de Natalia Smirnoff, que inspirou essa versão assinada pelo norte-americano Marc Turtletaub.
Apesar das semelhanças com a obra original, Turtletaub entrega uma bela releitura acerca da trajetória inquietante de uma mulher religiosa e absolutamente dedicada ao marido (David Denman) e aos filhos, engolida por uma rotina antiquada e monótona.
Mérito, em parte, de um roteiro sincero, avesso a exageros ou a mudanças bruscas de direção. Que, ao mesmo tempo, deixa o espectador num terreno cheio de incertezas e o intima a compartilhar das aflições da moça.
A vida de Agnes é uma constante inabalável. Seus dias se preenchem com tarefas domésticas e reuniões na igreja. Nada vai bem, mas nada vai mal, como ela costuma dizer.
Ao descobrir um talento impressionante para montar quebra-cabeças e ao cruzar o caminho de Robert (Irrfan Khan) —também um expert em encaixar peças— a suburbana de 40 anos mergulha numa turbulenta jornada de autoconhecimento e, aos poucos, percebe seu mundo acomodado ruir.
Sem precisar subir o tom, Macdonald imprime força à protagonista e se apropria da narrativa com uma atuação quase impecável, permeada por expressões corporais e silêncios repletos de significado.
Às vezes intenso e desconfortante, “O Quebra-Cabeça” é, sobretudo, honesto e rico em sua simplicidade. Um filme de nuances, texturas e ambiguidades da primeira à última cena.
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