Conheça o Tranquilo, projeto musical que faz shows quase secretos em SP

Voltado a artistas independentes, iniciativa começou em Minas e revelou nomes como Marina Sena

São Paulo

"É muito raro isso aqui", diz a cantora paulistana Marina Melo depois de se se sentar com um violão em frente a um público de cerca de cem pessoas em São Paulo. "Um monte de gente sentada no chão, sem saber exatamente o que vai escutar, disposta a ficar em silêncio e a ouvir".

O espaço reservado para o palco é delimitado apenas por um tapete e um pedestal de microfone enrolado em luzinhas. A localização é um estúdio na Lapa, na zona oeste da capital paulista, mas poderia ser qualquer outro canto —isso ajuda a resumir o Tranquilo, projeto musical mineiro que desembarcou em São Paulo e acontece nas noites de segunda-feira, mas nunca no mesmo lugar.

Show de Paulo Novaes em edição mineira do projeto Tranquilo
Show de Paulo Novaes em edição paulistana do projeto Tranquilo - Lu Savala/Divulgação

Funciona assim: aos domingos, o perfil no Instagram do Tranquilo publica uma enquete a seus seguidores. Quem responde recebe por mensagem a localização e os detalhes dos shows marcados para o dia seguinte. A escalação de artistas —sempre três representantes da música independente e autoral— só é liberada na segunda-feira e o lineup não se repete.

O ar meio secreto não é exatamente inédito —o projeto londrino de apresentações secretas Sofar Sounds, por exemplo, já é reproduzido no Brasil há alguns anos— mas o Tranquilo tem pilares que são aplicados desde sua criação, em 2018, e que ajudam a dar cara própria à empreitada.

O projeto começou em Belo Horizonte, no quintal da casa do músico Thales Silva, que se sentia frustrado com a carreira após lançar um álbum e não conseguir fazer o trabalho circular. "O artista independente não consegue furar algumas bolhas porque existem panelas que não se abrem. É como se você tivesse que expandir seu público sem ter oportunidades", ele afirma. "Então eu criei o evento pensando nesses artistas que têm qualidade, mas que se não acharem um palco vão ficar eternamente parados".

A primeira ideia, então, foi reunir nomes de estilos diferentes, que não fossem do mesmo grupo de conhecidos, e eleger a diversidade como uma das prioridades. "A música independente não vai sobreviver se a gente ficar cantando só para os amigos", diz Silva.

Depois, quando a vizinhança começou a reclamar do barulho à medida que o projeto crescia, veio a ideia da itinerância —levar os artistas para ambientes maiores, mas que mantivessem a aura mais introspectiva, voltada à música.

Na edição paulistana da última segunda, 13, por exemplo, o criador do Tranquilo pediu silêncio absoluto do público. "Não há como descobrir novos artistas sem perceber o sotaque, cada vírgula cantada", disse. Durante as apresentações em formato de pocket show, a letra de uma das composições de cada um dos músicos é distribuída antes de ser tocada.

O clima intimista é reforçado ainda com o que chamam de consumo na confiança. As bebidas ficam em isopores e o público só precisa pegar e pagá-las por Pix ou cartão, sem que haja um caixa para fazer a cobrança, o que funciona em 90% das vezes, segundo Silva.

Outra proposta do Tranquilo é a sugestão de uma entrada de R$ 25 —um entendimento de que este seria o valor justo para bancar o projeto, mas que nem todo mundo consegue desembolsar. "Quem pode paga mais, paga o valor sugerido ou paga o que pode. A ideia é que isso seja equalizado". A arrecadação também vem a partir da venda de produtos do projeto, como cangas, bonés e camisetas.

Soma-se a essas propostas a localização escondida, que gera curiosidade e atrai a atenção para o projeto, além de desonerar produtores e músicos, que evitam o desgaste do que ele chama de "marketing chato" e deixa o projeto se espalhar no boca a boca. "A gente inverte a lógica e, deixando as pessoas mostrarem interesse pelos shows, atrai quem realmente gosta da ideia".

Foi assim que o público do Tranquilo chegou a 1.200 pessoas presentes em Belo Horizonte neste ano e que, desde outubro, quando chegou a São Paulo, tenta fazer os artistas circularem ainda mais, agora em intercâmbio pelo Brasil.

Além de estimular a cena musical independente —uma das fatias que mais sofreram com a pandemia e que viu a extinção de várias casas que serviam como palco para novos rostos—, o projeto também se transformou em uma espécie de celeiro de novos nomes da música brasileira com o momento Olho no Olho, que encerra as noites de shows com pessoas da plateia mostrando canções próprias.

Silva lembra, por exemplo, que o Tranquilo foi um dos primeiros palcos da Rosa Neon, banda mineira que fez sucesso em 2019 e que revelou Marina Sena —que cantou mais de uma vez nas noites da capital mineira, segundo ele.

A ambição dele, agora, é usar a visibilidade do projeto para fazer edições como a que, recentemente, convidou o músico mineiro e integrante do Clube da Esquina Lô Borges para tocar na mesma noite que artistas em ascensão como Kaike e Júlia Rocha —o que potencializa a atenção à nova música autoral. "A gente tem esse sonho. Quem sabe trazer um Chico César, um Paulinho Moska, um Arnaldo Antunes, uma Ava Rocha", diz.

Tranquilo - Noites de segunda-feira, com programação itinerante. Programação no Instagram @tranquilosaopaulo

Mais lugares com shows pequenos em São Paulo

Associação Cultural Cecília - r. Vitorino Carmilo, 49, Santa Cecília. Programação no Instagram @ceciliacultural

Bar Alto - r. Aspicuelta, 194, Vila Madalena. Programação no Instagram @baralto.sp

Centro da Terra - r. Piracuama, 19, Perdizes, Instagram @centro.da.terra. Programação em centrodaterra.org.br/programacao

Cineclube Cortina - r. Araújo, 62, República, Instagram @cineclubecortina. Programação no Sympla

Picles - r. Cardeal Arcoverde, 1.838, Pinheiros. Programação no Instagram @piclescardeal

Porta - r. Fidalga, 642, Vila Madalena, região oeste. Programação no Instagram @_____porta_____

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem

Últimas

Ver mais