O eclipse solar que lança sombras sobre um belo pomar é um símbolo que o veterano diretor francês André Téchiné utiliza como isca na abertura de “Adeus à Noite”. Esta escuridão em pleno dia, fenômeno natural que outrora era visto como sinal de mau agouro, aqui ressurge como prefiguração da crise e da desordem que coloca frente a frente o fanatismo e a razão, o impulso vingativo e o ideal de justiça.
Téchiné explora, com sua elegância costumeira, os temas correlatos da transgressão e da coerção, frequentes em sua obra, ajustando-os a impasses contemporâneos. Agora não é mais a sexualidade ou a marginalidade que o diretor enfoca, mas a islamização. O astucioso argumento de Téchiné e do roteirista iraquiano Amer Alwan baseia-se na desconfiança ou no medo declarado ao outro, visto como estranho, por causa dos costumes e da fé, ou como estrangeiro, por causa da língua e da cor da pele.
Alex é um jovem francês, loiro e de olhos claros, que se radicaliza e pretende lutar como soldado do Estado Islâmico, transformando-se em mártir. No papel de avó do rapaz, Catherine Deneuve, com cabelos castanhos, interpreta Muriel, personagem cujas origens argelinas remetem ao passado colonialista da França e representa a forçosa convivência do país com seu passado.
Para tentar impedir a fuga do neto, Muriel pede ajuda a Fouad, jovem árabe recém-libertado após cumprir pena por terrorismo. Estas trocas incessantes de posições impedem a fixação dos estereótipos, que insistem em representar o branco como vítima e o terrorista como alguém de cor escura.
Téchiné é, porém, um cineasta de nuances, não acreditaria que basta inverter papéis para superar a infertilidade do maniqueísmo. Alex e Lila, sua noiva de origem árabe, renegam uma sociedade que julgam estar corrompida. O passado de Muriel sinaliza, ao contrário, a necessidade da assimilação e o trabalho dela como administradora de uma fazenda envolve técnicas de replantio para obter a melhor colheita.
Desse modo, o filme se desloca do beco sem saída da oposição bem versus mal para pôr em cena a reemergência do discurso da purificação que faz subir a maré de fundamentalismo, de nacionalismo e de medo das diferenças que ameaça nos afogar.
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