Este não é um thriller. O destino de Bernadette, quando ela finalmente desaparece de sua casa, é facilmente descoberto. Não vá ao novo longa-metragem de Richard Linklater ("Boyhood", "Antes do Amanhecer", "Escola do Rock"), com Cate Blanchett no papel principal, esperando um suspense. Bernadette Fox, a protagonista da trama, não daria uma boa espiã ou mesmo uma ladra, apesar de sua queda por grandes óculos escuros. Ela é muito atabalhoada para viver discretamente, ainda que tente passar despercebida por causa de sua estranha mania de detestar todo mundo, menos sua filha adolescente, Bee (a ótima estreante Emma Nelson), e seu marido, Elgin (Billy Crudup).
Mas tem um enigma para ser desvendado na adaptação do best-seller de 2012, escrito por Maria Semple: Qual é o problema de Bernadette? As respostas vão aparecendo ao longo do filme, e conhecê-las é interessante, mesmo que o filme seja desigual, com altos e baixos tanto de roteiro, quanto de interpretação e ritmo.
Curiosamente, esse é o primeiro filme de Richard Linklater a ter uma única mulher como protagonista, e ele acertou no casting. Cate Blanchett está brilhante como Bernadette, uma arquiteta que foi considerada um gênio na juventude, mas que já não trabalha há 20 anos, desde que passou por um trauma. Ela agora mora em Seattle, não mais na sua Los Angeles de origem, em uma casa enorme e toda destruída com seu marido e sua filha.
A vida dos três parece caótica mas feliz. Mãe e filha se adoram e se divertem juntas, e o marido funciona meio como um pilar de sanidade. Ele é um alto funcionário da Microsoft e tenta manter sua mulher calma, sem causar os conflitos com vizinhos e outras mães da escola da filha que ela costuma causar. Bee é uma menina esperta e bem-humorada, que está prestes a entrar em uma escola interna de elite para se preparar para a universidade, e convence os pais a levá-la para a Antártica como despedida.
Mas as coisas não estão bem com Bernadette, que tem ataques de ansiedade só de pensar em viajar e pode ou não ser viciada em remédios com prescrição médica, que ela estoca em seu armário do banheiro. A interpretação de Cate Blanchett é esplêndida como a mulher ansiosa e cheia de alterações de humor, que é quase sempre sarcástica e sempre neurótica. Lembra um pouco a viúva que viveu em "Blue Jasmine" (2013), de Woody Allen, pelo qual ganhou um Oscar de melhor atriz.
O cineasta Richard Linklater, diretor e um dos roteiristas, deixou de lado na história quase toda a trama pregressa de Bernadette, que foi a arquiteta mais jovem a ganhar um dos prêmios mais importantes de arquitetura e cujo maior trabalho no passado foi uma casa construída só com materiais encontrados a 20 milhas, ou 32 quilômetros, de distância da construção. O público descobre sua biografia em partes, cada vez que uma pessoa entra no laptop dela e assiste a um trecho de uma reportagem de TV feita sobre sua carreira. É uma pena, em um filme que fala fundamentalmente da crise de uma artista genial que bloqueou seu processo criativo, deixar todo seu processo criativo como mero pano de fundo.
Em vez de tantas cenas em que Bernadette dita emails para uma assistente pessoal que mora na Índia, flashbacks de sua vida anterior seriam bem vindos. Outros dramas menores, como a tensão entre ela e sua vizinha enxerida (a ótima Kristen Wiig), assim como as novidades do trabalho do marido, são entediantes.
O melhor do filme são os diálogos, terreno em que Linklater segue sendo um mestre. Uma cena específica, em que Bernadette encontra um antigo mentor (Laurence Fishburne) e eles analisam a sua angústia atual é um alento. O mistério sobre o problema de Bernadette é desvendado ali, junto com o público. Nesse momento, "Cadê Você, Bernadette?" parece que poderia ser um grande filme. Não é.
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