O aviso “inspirado em fatos reais”, que vemos com tanta frequência na abertura de filmes, tem o efeito de uma coerção. Se a história soar inverossímil, somos forçados a acreditar. Se as decisões dos personagens parecerem idealizadas ou improváveis, nada podemos contra a realidade dos fatos.
“A Chance de Fahim” tira o máximo proveito dessa fórmula e ainda impõe uma gaiola de simpatia e de bons sentimentos da qual é difícil escapar. Colocar uma criança prodígio no papel de protagonista é outra decisão que coloca o espectador mais cético num beco sem saída.
Fahim é um superpoderoso garoto bengali que joga xadrez como um campeão. Mas Bangladesh é um país pobre e politicamente turbulento. Nura, seu pai, decide então levá-lo clandestinamente para a França, onde ele terá a chance de se tornar um campeão mirim.
Baseado na autobiografia do enxadrista Fahim Mohammad, o roteiro ressalta a proeza heroica sem deixar de destacar seu significado político em tempos de ascensão do racismo. O singular talento do garoto combinado com sua persistência é o único meio de salvar a família da barbárie do quarto mundo. Mas isso só será possível se ele superar o antipático pupilo de um treinador reacionário e demonstrar aos franceses que o lema “igualdade, liberdade, fraternidade” não se tornou obsoleto (ainda) na era do “que se danem os pobres”.
A França tradicionalista e rígida, porém terna, é representada por Gérard Depardieu, ícone cultural cuja imagem atual se confunde com o sem modos Obelix. No papel de Sylvain, um professor de xadrez severo, Depardieu encarna a passagem da intolerância ao acolhimento da diferença.
A coordenação convincente desses elementos torna “A Chance de Fahim” um desses filmes positivos, porém mais preocupados em afirmar um credo do que em cutucar os oponentes. Apesar de “inspirado em fatos reais”, a jornada do seu pequeno herói não deixa de ser uma fábula que ofusca a realidade dos milhares de refugiados mortos em travessias suicidas ou devolvidos à força para seus infernos.
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