Talvez tenha sido a barba avermelhada de João que conquistou Maria. Ou o pescoço alongado e a boa pinta. O fato é que não demorou muito para ela cair nos encantos do galanteador. Em pouco tempo, os dois ficaram inseparáveis.
Eles formavam um casal tranquilo e apaixonado que vivia em uma região arborizada no bairro do Morumbi, em São Paulo. Apesar de queridos pelos vizinhos, pouco saíam de casa. Pelo menos até João decidir explorar as redondezas. Um dia, arriscou um pouquinho. No outro, decidiu ir um pouco mais além.
Até que, numa dessas saídas em meio à pandemia, em um dia de chuva, ele não viu um carro se aproximar e foi atropelado. Mesmo sendo socorrido, veio a notícia: João morreu. E Maria ficou viúva.
A história de amor é protagonizada por um casal paulistano —mas não de humanos. Maria e João são jacus.
Essa ave pode chegar a 85 centímetros e lembra um peru, com bordas esbranquiçadas nas penas da cabeça, pescoço e manto. O vermelho do pescoço, na verdade, não é uma barba, mas a pele do animal sem as penas.
O ex-casal vivia na Reserva do Morumbi, parque que reúne 21 espécies de aves em uma área de 15 mil m². O local recebe os cuidados do ornitólogo Johan Dalgas Frisch, um dos primeiros brasileiros a viajar pelo país exclusivamente para procurar e gravar aves.
“Eu dava comida para eles lá no meio do mato, como mamão e banana, mas ele gostava de comer milho também, daí vinha comigo”, lembra Frisch, que tem 90 anos e vive em uma casa em frente à reserva, que é voltada à preservação e não aceita visitação.
Mas os jacus saíam frequentemente do parque e zanzavam pela vizinhança. O nome de Maria, aliás, foi dado carinhosamente pelos vizinhos, que acompanharam de perto o período de luto da viúva.
Três meses depois, Maria foi paquerada por Joaquim, mas ela não deu muita bola ao flerte do outro jacu. Na verdade, eles não se bicaram. Joaquim ficou sem graça, encurtou ainda mais o bico e saiu voando dali.
Até que apareceu José. E, para surpresa de todos, Maria gostou dele e acabou levantando as suas asinhas. “Esses bichos são que nem a gente, dão comida com carinho um para o outro”, conta Frisch, que filmou o novo casal.
No espaço onde os dois jacus vivem, apenas visitas com finalidade científica são permitidas. Mas ambos costumam passear, no fim das tardes, pela praça Uirapuru, localizada em frente à reserva.
Hoje, para evitar novos acidentes, crianças dos arredores pedem cuidado aos motoristas que trafegarem por ali e chamam a atenção de quem está em alta velocidade.
Aves como os jacus costumam andar em casais ou pequenos grupos, mas não são monogâmicas, afirma Luís Fábio Silveira, ornitólogo e curador do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Diferentemente do papagaio que escolhe um companheiro até o fim da vida, os jacus podem ter um parceiro por período reprodutivo —essa fase costuma ser entre outubro e fevereiro. Ou seja, ninguém garante que Maria e José seguirão firmes após a quarentena.
Silveira conta ainda que hoje é comum encontrar essa espécie nas regiões mais arborizadas da capital. Porém, algumas décadas atrás, a ave era rara e chegou a integrar a lista de animais em perigo de extinção por causa da caça.
Para conhecer o jacu, uma dica é ir ao parque Burle Marx, que fica na zona oeste. O local também reúne outros 116 tipos de aves —em toda São Paulo, calcula-se que sejam quase 500 espécies.
Reserva do Morumbi
Entre as ruas dos Limantos, dos Malmequeres e dos Goivos, no Morumbi. Não é aberto ao público, somente com finalidade científica, agendadas pelo tel. (11) 5187-0253.
Parque Burle Marx
Av. Dona Helena Pereira de Moraes, 200, Morumbi, região oeste, tel. (11) 3746-7631. Seg. a dom.: 7h às 19h.
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