São Paulo de 1921 segue viva em praças, restaurantes e museus abertos até hoje

Na capital do ínício do século 20, Europa ditava costumes e gastronomia vivia impacto da imigração

Vista do Anhangabaú nos anos 1920, com o viaduto do Chá e a praça do Patriarca ao fundo

Vista do Anhangabaú nos anos 1920, com o viaduto do Chá e a praça do Patriarca ao fundo Reprodução

São Paulo

Em 1921, quando o jornal Folha da Noite ganhava pela primeira vez as ruas e dava início à história centenária da Folha, a cultura e a gastronomia de São Paulo estavam começando a se moldar e a formar o embrião da cidade que conhecemos hoje —e alguns dos endereços que ajudaram a fazer da capital o principal centro de programação do país seguem de pé e funcionando em pleno 2021.

Até o final do século 19, a cidade ainda não tinha tanta relevância nacional. “Quando a gente pensa na São Paulo do início do século 20, ela ainda está tentando construir uma imagem de cidade global”, diz Hanna Manente Nunes, doutoranda em história na Universidade de Chicago e uma das autoras do blog A História É a Seguinte, da Folha.

Foto deste ano da região do Anhangabaú, na qual é possível ver o Theatro Municipal, o viaduto do Chá e a praça do Patriarca ao fundo
Foto deste ano da região do Anhangabaú, na qual é possível ver o Theatro Municipal, o viaduto do Chá e a praça do Patriarca ao fundo - Bruno Santos/ Folhapress

Foi o café que transformou a capital em polo não apenas econômico mas cultural. Junto à elite endinheirada, vieram também o estouro da industrialização, a chegada de milhares de imigrantes e um novo circuito cultural e gastronômico, com novos hábitos.

O ponto de partida para essas transformações foi o que hoje conhecemos como o centro histórico. Na estação da Luz, inaugurada em 1901, o relógio é inspirado no Big Ben de Londres, enquanto as torres evocam a abadia de Westminster, também na capital britânica. Se antes os trens recebiam visitantes e imigrantes, hoje veem os passageiros apressados da CPTM e do metrô.

Fachada da Estação da Luz em 2005
Fachada da Estação da Luz em 2005 - Tuca Vieira/Folhapress

Logo à frente está a praça da Luz, que atualmente é o parque mais antigo da capital. Naquele 1921, o local compunha o cenário de ebulição paulistana com sua descarada inspiração europeia.

Nos dias de descanso, como registrou o jornalista francês Paul Adam em 1914, a elite costumava passear por ali, caminhar pelo emaranhado de árvores e espantar o calor com refrescos e sorvetes, embalada por composições de Verdi e Puccini tocadas no coreto.

Àquela altura, a Pinacoteca já fazia parte do cenário. O prédio foi finalizado em 1905 e recebeu um acervo inicial de 26 quadros. A instituição, no entanto, foi pioneira só nas artes plásticas da cidade. Porque o primeiro museu foi o Museu Paulista, conhecido como Museu do Ipiranga, inaugurado em 1895, quando tudo ainda era literalmente mato.

Erguido em homenagem à Independência, o espaço é mais um exemplo das inspirações europeias de São Paulo —seus jardins são réplicas mais acanhadas dos que existem no palácio de Versalhes, na França.

Já seu acervo inclui telas e obras que contam a história paulistana e brasileira a partir de símbolos bandeirantes e imagens de índios vistos como bárbaros ou submissos.

Imagem de drone mostra o Museu Paulista, mais conhecido como Museu do Ipiranga
Imagem de drone mostra o Museu Paulista, mais conhecido como Museu do Ipiranga - Dário Oliveira/Folhapress

A reabertura do museu, fechado em 2013 para obras e com previsão de voltar a funcionar no ano que vem, promete contextualizar essas representações. Enquanto isso, até que os tapumes saiam, é possível curtir apenas o jardim que envolve o prédio.

Não muito distante dali, a área conhecida como centro novo também fervia em 1921. Desde 1911, quando o Theatro Municipal foi inaugurado com uma apresentação de “Hamlet” e uma arquitetura inspirada na Ópera Nacional de Paris, foi selada a necessidade de deixar os arredores coerentes à pompa que escorria de seus cristais e mármores.

Vista externa do Theatro Municipal de São Paulo
Vista externa do Theatro Municipal de São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

Se o teatro ainda se mantém igual mais de um século depois, não se pode dizer o mesmo do vizinho vale do Anhangabaú. Não é de hoje que o ponto turístico é constantemente repaginado. Em 1920, após uma reforma, ele foi transformado em um parque com vegetação ornamental, palmeiras e gramados.

Desde então, passou por poucas e boas —se transformou em passagem para carros, virou praça com fonte e chafariz e, atualmente, protagoniza mais uma reviravolta, com uma reforma marcada por atrasos e que ainda não foi aberta ao público.

Poucos passos separam o vale do largo do Paissandu, que também era um ponto de encontro na década de 1920. Se hoje a praça é rodeada pelas galerias Olido e do Rock, ela sediava no começo do século 20 apresentações de circo, como as do palhaço Piolin. Ali também se reuniam empresários e artistas circenses, no que ficou conhecido como Café dos Artistas.

A Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no centro do largo, é mais outro ponto remanescente da São Paulo daqueles tempos e marca a história negra com uma mistura de celebrações católicas e procissões que resgatam a cultura afro-brasileira.

Também era ali que ficava o atual restaurante mais antigo da cidade, o Carlino, fundado em 1881. A casa ainda está aberta, mas hoje fica na rua Epitácio Pessoa.

O centro e São Paulo também preservaram outros endereços da gastronomia da década de 1920, como o empório Casa Godinho, na Líbero Badaró. Do lado de lá do vale, ainda está aberto o Rei do Filet, na praça Júlio de Mesquita.

Mas há ainda um outro punhado de negócios gastronômicos centenários que sobrevive. É o caso da padaria Carrillo, na Mooca. Também da padaria Lisboa, que desde 1913 fica no Tatuapé. Isso sem falar das Basilicata, Italianinha, São Domingos e 14 de Julho, todas no Bexiga.

Reduto de imigrantes, o bairro era dividido por negros e italianos nos anos 1920 e ainda preserva padarias centenárias que funcionam nos mesmos moldes e têm pães preparados com receitas das nonnas.

A Europa pode ser vista também no palácio Campos Elíseos. Construído em 1899 nos moldes do castelo francês de Écouen, ele foi encomendado com espelhos de Veneza, terracotas da Itália e fechaduras dos Estados Unidos. Restaurado após décadas em desuso, o local funcionou como um coworking e recebeu exposições, mas está fechado desde setembro do ano passado.

Se os ares europeus eram o espelho no qual a elite paulistana tentava se ver, um movimento artístico começava nessa época a ser construído com cores locais, o modernismo.

Apesar de a Semana de Arte Moderna ter ocorrido apenas em fevereiro de 1922, sediada no Municipal, sua gestação já vinha ocorrendo há algum tempo em São Paulo.

Mário de Andrade havia se mudado para uma casa na Barra Funda em 1921. Era ali que o autor de “Pauliceia Desvairada”, lançado em 1922, costumava receber Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade. Hoje conhecida como Casa Mário de Andrade, a residência foi reaberta para visitação em 2015 e reúne objetos do escritor, textos e fotos.

O modernismo, que teve Mário como um dos principais fundadores, trouxe mudanças profundas para São Paulo e para o Brasil —mas isso é assunto para o ano que vem, quando será comemorado o centenário do movimento.

Lugares de SP com 100 anos ou mais

Casa Godinho
R. Líbero Badaró, 340, centro. Seg. a sex.: 7h às 18h10. Delivery pelo tel. (11) 3105-1625, via WhatsApp (11) 98339-9581, iFood, Rappi ou pedir.to/casagodinho (seg. a sex.: 9h às 17h). Com retirada no local

Carlino
R. Epitácio Pessoa, 85, República, tel. (11) 3258-5055. Ter. a qui. e dom.: 12h às 16h. Sex. e sáb.: 12h às 16h e 18h às 22h. Delivery via WhatsApp (11) 95840-3292, iFood ou Instagram. Com retirada no local

Carillo
R. Demétrio Ribeiro, 29, Cidade Mãe do Céu. Seg. a sex.: 6h às 20h. Sáb.: 4h às 20h. Dom.: 4h às 15h. Delivery pelo tel. (11) 2605-4045 (também WhatsApp) ou iFood. Com retirada no local

Casa Mario de Andrade
R. Lopes Chaves, 546, Barra Funda, tel. (11) 3666-5803. Qua. a sáb.: 12h às 16h. É necessário agendar p/ bit.ly/3s2ZUJd. Grátis

Estação da Luz
Pça. da Luz, 1, Bom Retiro. Seg. a dom.: 4h às 24h. Ingr.: R$ 4,40 (bilhete do metrô ou CPTM)

Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos
Lgo. do Paissandu, s/nº, centro, tel. (11) 3223-3611 ou (11) 3331-1983. Seg. a sex.: 8h às 17h. Dom.: 8h às 12h. Grátis

Padaria 14 de julho
R. 14 de Julho, 90, Bela Vista. Seg. 12h às 20h. Ter. a sáb.: 7h às 20h30. Dom.: 7h às 18h. Delivery pelo tel. (11) 3105-3215 e via WhatsApp (11) 94374-3121 ou iFood. Com retirada no local

Padaria Italianinha
R. Rui Barbosa, 121, Bela Vista. Seg.: 14h às 20h. Ter. a sáb.: 7h às 20h. Dom.: 7h às 15h. Delivery pelo tel. (11) 3289-2838 ou iFood: seg., 14h15 às 19h45; ter. a sáb., 7h15 às 19h45; dom., 7h15 às 14h45. Com retirada no local

Palácio Campos Elíseos
Av. Rio Branco, 1.269, Campos Elíseos. Visitação suspensa por tempo indeterminado

Padaria Lisboa
Pça. Sílvio Romero, 112, Cidade Mãe do Céu. Seg. a dom.: 7h às 21h. Delivery via tel. (11) 2295-9444 ou iFood

Parque Jardim da Luz
Pça. da Luz, s/nº, Bom Retiro, tel. (11) 3227-3545. Ter. a dom.: 9h às 18h. Grátis

Pinacoteca
Pça da Luz, 2, Bom Retiro, tel. (11) 3324-1000. Seg. e qua. a dom.: 10h às 18h. Programação e ingressos: pinacoteca.byinti.com

Rei do Filet
Pça. Júlio Mesquita, 175, Santa Ifigênia, tel. (11) 3221-8066. Seg. a dom.: 11h às 17h. iFood: seg. a dom., 11h às 22h. Com retirada no local

São Domingos
R. São Domingos, 330, Bela Vista. Seg. a sáb.: 8h às 19h. Dom.: 8h às 15h. Delivery pelo tel. (11) 3242-3677, via WhatsApp (11) 98142-0102. iFood: seg. a sáb., 8h às 18h; dom., 8h às 14h. Com retirada no local

Theatro Municipal
Pça. Ramos de Azevedo, s/nº, República, tel. (11) 3053-2092. Programação e ingressos: theatromunicipal.org.br

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