Ainda que tenha crescido de forma desenfreada e caótica, São Paulo guarda surpresas no horizonte. Não é exagero dizer que a maior cidade de América do Sul, que completa 467 anos no próximo dia 25, é também um atraente polo arquitetônico.
Por aqui foram erguidas estruturas de Oscar Niemeyer, Lina Bo Bardi, Rino Levi, Vilanova Artigas e Paulo Mendes da Rocha, para ficar só em alguns nomes incontornáveis.
O Guia convidou os arquitetos Marcio Kogan e Raquel Rolnik e os jornalistas da Folha Francesca Angiolillo e Silas Martí para indicarem passeios para desbravar o melhor da arquitetura paulistana. O roteiro passa pelas curvas do Copan e pelas colunas do Masp, mas também por lugares como o CEU Rosa da China.
A cidade, inclusive, está prestes a ganhar um novo marco. O vale do Anhangabaú está em fase final de reforma e, após sucessivos atrasos, pode ser reaberto no próximo mês —mas não há data.
Francesca Angiolillo
Biblioteca Municipal Mário de Andrade
Se o Rio é o grande berço do art-déco no país, São Paulo tem na BMA, conhecida como “a Mário”, um exemplar muito sedutor do estilo arquitetônico dos anos 1930. Jacques Pilon dotou o prédio de uma grandiosidade calma, em que as proporções monumentais não oprimem. Se a pandemia limita a experiência, ainda assim vale admirar o edifício, enquanto, com agendamento, se retira ou devolve um livro, sonhando com o momento de outra vez sentar-se para ler junto a seus janelões.
Av. São Luís, 35, Consolação, região central, tel. (11) 3775-0002. É necessário fazer agendamento para empréstimos e devoluções p/ bma.sp.gov.br, sp156.prefeitura.sp.gov.br ou pelo tel. Grátis.
Copan
O maior edifício residencial do país já foi definido como “uma espécie de laboratório” pelo arquiteto Carlos Lemos, responsável por tocar a construção deste e de outros projetos de Oscar Niemeyer. Até hoje, é um local que provoca a experimentação e a mistura. No térreo, louva-se sua permeabilidade, a galeria continuando a rua, com café, restaurante, livraria, lojas e até videolocadora. No alto, um dos mirantes mais incríveis da capital.
Av. Ipiranga, 200, República. Visitação suspensa por tempo indeterminado.
Fundação Maria Luísa e Oscar Americano
Visitar a antiga residência do casal é a oportunidade de conhecer o trabalho de Oswaldo Bratke, um modernista menos conhecido popularmente, e admirar as coleções de arte brasileira nela expostas. Mas é também um passeio em meio a um parque luxuriante, desenhado pelo paisagista Otávio Mendes onde havia um bosque de eucaliptos. Para os que querem imergir um pouco mais no luxo, é possível tomar um chá da tarde em seus salões.
Av. Morumbi, 4.077, Morumbi, região oeste, tel. (11) 3742-0077. Parque e museu fechados. Salão de chá: ter. a dom.: 10h às 17h30. É necessário reserva p/ tel. ou atendimento@fundacaooscaramericano.org.br
Pinacoteca
O edifício concebido por Ramos de Azevedo foi recuperado de décadas de usos variados pelas mãos de Paulo Mendes da Rocha e Eduardo Colonelli. As belas e sólidas paredes de tijolos e a exploração da luminosidade natural fazem do prédio um remanso isolado do caos da cidade, permitindo apreciar em paz as ótimas exposições temporárias ou a bela coleção. A vizinhança com o parque da Luz aumenta a sensação de encontrar um oásis.
Pça. da Luz, 2, Bom Retiro, tel. 3324-1000. Qua. a seg.: 10h às 18h. R$ 25 ('OsGêmeos: Segredos') e grátis (acervo do museu). É necessário reservar ingresso p/ pinacoteca.org.br
Sesc Pompeia
Um dos exemplares mais evidentes de arquitetura bem-sucedida em seus propósitos, o projeto de Lina Bo Bardi ressalta a origem fabril do edifício, numa intervenção respeitosa que, sem modismos, não envelhece. Seu principal predicado, porém, talvez seja a integração ao entorno, com sua rua interna prolongando o bairro e convidando a entrar.
R. Clélia, 93, Água Branca, tel. (11) 3871-7700. Ter. a sex.: 14h às 20h. Sáb.: 10h às 14h. É necessário agendamento para atrações p/ sescsp.org.br. Grátis
Marcio Kogan
Casa Butantã
Procurei cinco obras que nunca conheci, mas que adoraria visitar. A Casa Butantã, um projeto de 1964 assinado por Paulo Mendes da Rocha e João Gennaro, por exemplo, é feita em em concreto aparente e parece flutuar sobre o terreno.
Pça. Monteiro Lobato, s/nº, Butantã. Não está aberta para visitação
CEU Rosa da China
O projeto de Alexandre Delijaicov, André Takiya e Wanderley Ariza é a grande obra dos anos 2000. Na gestão de Marta Suplicy na prefeitura, entre 2001 e 2004, foram construídos 21 CEUs nas periferias de São Paulo, funcionando como centros de irradiação cultural e espaços de reflexão. Esse CEU está no “Guia de Arquitetura de São Paulo: Doze Percursos e Cento e Vinte e Quatro Projetos”, de Fábio Valentim, lançado no ano passado pela WMF Martins Fontes.
R. Clara Petrela, 113, Jardim Roberto, tel. (11) 2701-2310. Seg. a dom.: 7h às 22h. É necessário fazer inscrição para algumas atividades. Grátis
Igreja e Centro Paroquial São Bonifácio
De 1964, é assinado pelo arquiteto austríaco radicado no Brasil Hans Broos. É uma igreja suspensa num imenso monólito de concreto aparente e, sob ela, uma praça que é uma extensão da calçada.
R. Humberto I, 298, Vila Mariana, tel. (11) 5571-5422. Aberta somente para missas. Informações p/ facebook.com/SaoBonifacioSaoPaulo. Grátis
Parque Cecap
O conjunto Zezinho Magalhães Prado é um projeto de 1967 assinado por Vilanova Artigas, Fábio Penteado e Paulo Mendes da Rocha e mostra como fazer habitação social decente e elegante.
R. Rubens Henrique Picchi, 191, Parque Cecap, Guarulhos. Não é aberto.
Residência Milan
A residência é composta de lindíssimas abóbodas de concreto. O projeto de Marcos Acayaba e Marlene Milan Acayaba, assim como as casas já citadas, não tem muros.
Av. das Magnólias, 70, Cidade Jardim. Não está aberta para visitação.
Raquel Rolnik
Bom Retiro
Judia e filha de imigrantes da Polônia, minha infância foi vivida neste bairro, que foi —e continua sendo—porta de entrada e morada de imigrantes. Aponto dois locais que merecem ser visitados. O primeiro é a Casa do Povo, projeto do engenheiro-arquiteto Ernest Mange, inaugurado em 1953 por imigrantes judeus da Europa Oriental como um centro comunitário que articulava a memória da vida judaica destruída pelo nazismo com um local de formação crítica e política e de experimentação cultural.
O teatro instalado em seu subsolo, o TAIB, foi uma das sedes do movimento teatral de vanguarda de São Paulo nos anos 1960 e 1970. A Casa do Povo vive uma retomada, atualizando seu projeto cultural e político e abrigando dezenas de grupos e coletivos, entre eles o Coral Tradição, que, cantando em iídiche, jamais abandonou o local.
O segundo ponto é um Centro Comercial. O projeto de 1959 é de autoria de Lucjan Korngold, arquiteto judeu polonês que migrou para o Brasil em 1940. O centro é emblemático de uma forma de implantação dos edifícios no lote que podemos chamar de quadra aberta, ou seja, que estabelece uma relação entre as ruas por dentro da própria quadra, de certa maneira contestando a ideia de uma rua pública que se contrapõe a um lote privado.
Casa do Povo: R. Três Rios, 252. Ter. a sáb.: 14h às 19h. Grátis. Centro Comercial do Bom Retiro: r. José Paulino, 226 ou r. Ribeiro de Lima, 453, Bom Retiro, . Seg. a sex.: 7h30 às 18h30. Sáb.: 7h30 às 15h
Centro histórico
Em pleno “triângulo”, região que abrigou o primeiro centro de São Paulo, vale a pena assistir a um show musical na Casa de Francisca e aproveitar para conhecer outros dois marcos da arquitetura paulistana bem ao lado. A Casa de Francisca é um dos atuais ocupantes do Palacete Tereza Toledo Lara, um edifício em linguagem eclética projetado pelo arquiteto alemão Augusto Fried, como vários outros presentes nesta área da cidade. Conhecido como "a esquina musical de São Paulo", já foi sede da Rádio Record e de lojas clássicas de instrumentos musicais e partituras.
Quase ao lado, encontra-se o Edifício Triângulo, um prédio totalmente envolto em vidro sob a forma de um prisma que ocupa totalmente seu terreno triangular, projetado por Oscar Niemeyer em 1955. A entrada principal é recoberta por um grande mosaico de pastilhas de autoria de Di Cavalcanti --que merecem um restauro!
Um pouco mais adiante encontra-se o Edifício Guinle, de sete andares, considerado o primeiro arranha-céu da cidade de São Paulo e inaugurado em 1913. Foi projetado pelos arquitetos Hyppolito Gustavo Pujol Júnior e Augusto de Toledo, contratados pela família Guinle para ser a sede paulistana da empresa Guinle & Cia. Primeira construção que usou concreto armado no Brasil, seu material passou por testes no Gabinete de Resistência dos Materiais da Escola Politécnica (hoje o IPT) para garantir a segurança em uma época em que a cidade não tinha prédios com mais de dois andares. O edifício se encontra totalmente restaurado.
Palacete Tereza Toledo Lara: r. Quintino Bocaiúva, 22, Sé, tel. (11) 3105-0222. Seg. a sáb.: 9h30 às 17h. Edifício Triângulo: R. José Bonifácio, 24, Sé, tel. (11) 3106-0374. Seg. a sex.: 7h às 20h. Sáb.: 7h às 14h. Edifício Guinle: R. Direita, 49, Sé, região central
Conjunto Nacional
Em um momento em que a avenida Paulista ainda era predominantemente residencial, o empresário argentino José Tjurs decide fazer um centro comercial vertical e, por meio de um concurso em 1956, contrata o jovem arquiteto David Libeskind. A construção do Conjunto Nacional é um dos marcos da transformação da avenida em nova centralidade da cidade. Além de romper a escala e uso da avenida, o edifício (ou melhor, conjunto de edificações horizontais e verticais) inova ao fazer as calçadas em pedra portuguesa continuarem para dentro do lote, configurando uma extensão da rua.
Av. Paulista, 2.073, Bela Vista, região central, tel. (11) 3179-0000. Seg. a sáb.: 7h às 22h. Dom.: 10h às 22h. Grátis
Masp
Obra genial de Lina Bo Bardi, arquiteta italiana radicada no Brasil, o Masp é praça cívica, é museu, é mirante, é rua. Seu vão generoso implantado em pleno espigão da cidade, sustentado por duas colunas gigantes vermelhas de concreto, parece apontar para a contradição entre o peso da construção de concreto e a leveza e transparência de um local totalmente aberto. Não é à toa que virou um dos centros nevrálgicos da vida na cidade.
Av. Paulista, 1.578, Bela Vista, tel. (11) 3149-5959. Ter.: 10h às 20h. Qua. e qui.: 13h às 19h. Sáb. e dom.: 10h às 18h. Ingr.: R$ 45 p/ masp.byinti.com. Menores de 11 anos, pessoa com deficiência e às terças: Grátis
Sesc 24 de Maio
Intervenção de Paulo Mendes da Rocha e MMBB arquitetos sobre um edifício já construído, a obra veste o prédio anterior com uma casca que sustenta a circulação, que por sua vez conduz o visitante da rua até o alto (onde foi instalada uma piscina) sem nenhum obstáculo. Uma arquitetura que expõe os materiais e métodos construtivos, na mais fina tradição da escola paulista, sem decoração, firula, revestimento ou catraca.
R. Vinte e Quatro de Maio, 109, República, tel. (11) 3350-6300. Ter. a sáb.: 9h às 21h. Dom.: 9h às 18h. É necessário agendamento para atrações p/ sescsp.org.br. Grátis
Silas Martí
Casa de Vidro
Quem conhece a casa que Lina Bo Bardi construiu entende o que ela quis fazer no Masp. Sua sala de estar de paredes transparentes está suspensa entre as árvores, e a maior delas atravessa a construção no meio da mata. O piso de pastilhas azuis dá a sensação que os móveis ali flutuam num mar plácido. É um exemplo de arquitetura que pensa cada detalhe para que todos eles estejam a serviço da vida.
R. Gel. Almério de Moura, 200, Morumbi. tel. (11) 3744-9902. Sex. a dom.: 10h30, 13h e 15h. Ingr.: R$ 30 p/ casadevidro.byinti.com. Grátis p/ menores de 11 anos
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP
Obra-prima de Vilanova Artigas, o prédio na Cidade Universitária onde gerações de arquitetos aprenderam seus primeiros traços é uma joia brutalista. Pode parecer contraditório chamar de joia algo que se ancora no peso e na rudeza do concreto aparente por toda parte, mas a luz do sol que entra pelas claraboias e ilumina o vasto piso cor de caramelo lá embaixo, uma arena rodeada de rampas, suaviza a atmosfera. Artigas construiu uma caixa aberta, atravessada pela brisa, em sintonia com o verde ao redor. É um prédio escultural que é também uma aula de como a arquitetura vai além do espaço para construir lugares.
R. do Lago, 876, Butantã, região oeste, tel. (11) 3091-4919. Seg. a sex.: 8h às 17h. É necessário fazer agendamento para visita guiada. Grátis
Instituto de Arquitetos do Brasil
Nada é monumental no prédio de Rino Levi a algumas quadras do Minhocão, a não ser um dos mais belos móbiles de Alexander Calder, todo preto, que flutua numa sala com pé-direito duplo. A construção é modesta em suas dimensões, mas tudo lembra o esforço heroico de ser moderno num país sem indústria, do vidro aramado das portas aos caixilhos e esquadrias de ferro. O prédio onde Paulo Mendes da Rocha ainda tem seu escritório, com um terraço de onde se avista o caos do centro paulistano, nos serve para lembrar a beleza de uma metrópole, esse mar de concreto onde a gente se encontrava e grandes ideias podiam surgir. É uma pena que ele tenha sido tão descuidado, assim como o centro ao seu redor, mas isso tudo vale ser celebrado.
Rua Bento Freitas, 306, 4º andar, Vila Buarque, região central, tel. (11) 3259-6149. Seg. a sex.: 10h às 17h. WhatsApp (11) 99541-3686
MuBE
O museu cravado no miolo do Jardim Europa quase desaparece na paisagem, e essa é sua maior força. Paulo Mendes da Rocha escava o terreno para assentar as rampas e praças do prédio, quase que uma construção ao reverso, que não se impõe sobre o espaço mas é moldada por ele. O passeio da luz pelas lajes e a coreografia dos movimentos determinada pelas escadas, as rampas e os desníveis ali abraçam o público que se vê de repente num oásis no meio da cidade, um lugar em que só as obras de arte falam mais alto. E é uma beleza ver um museu que há tanto tempo era mais visto como um salão de festas da elite enfim abrigar mostras interessantes.
R. Alemanha, 221, Jardim Europa, região oeste, tel. (11) 2594-2601. Qui. a dom.: 10h às 16h. Grátis. É necessário fazer agendamento p/ sympla.com.br/mube
Pavilhão da Bienal
Desdenhar de Oscar Niemeyer é quase um esporte entre arquitetos, mas é inegável o impacto do pavilhão da Bienal de São Paulo, o transatlântico branco atracado entre os outros blocos futuristas também dele espalhados pelo parque Ibirapuera. A escala é desumana, os espaços gigantescos e um tanto perturbadores, mas o que seria austero demais sucumbe à elegância das rampas no coração do prédio. É o testamento de uma outra época, de um modernismo que se assentava ainda nos trópicos. Vale ver ainda que vazio. É sempre um espetáculo.
Parque Ibirapuera - pavilhão Ciccillo Matarazzo. Av. Pedro Álvares Cabral, s/ nº, portão 3, Parque Ibirapuera, região sul, tel. (11) 5576.7600. Qua., sex., sáb. e dom.: 11h às 19h. Qui.: 11h às 20h. Grátis
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