Museus e galerias voltaram a receber o público em São Paulo, o que pode ser um alívio para quem sente falta de ver arte presencialmente. Mas com mortes diárias batendo na casa dos 3.000 por causa da pandemia de coronavírus, a notícia das portas reabrindo desperta alguma vontade de dar mais uma chance às exibições virtuais —que, na maioria das vezes, somam uma camada de ódio ao computador em vez de trazer algum frescor ao horizonte dos confinados.
E é louvável que a Pinacoteca tenha levado a exposição da dupla de grafiteiros Osgêmeos, que foi um marco da primeira reabertura dos museus na capital paulista, para o ambiente online nesse contexto. Principalmente porque a exposição presencial também foi reaberta e prorrogada até o dia 8 de agosto.
O formato que escolheram para apresentar a mostra foi em 360º, com um passeio completo e gratuito pelas salas, começando na própria entrada da instituição, que está com um letreiro iluminado feito pelos artistas.
A proposta da Pinacoteca já é melhor do que a de exposições que lembram catálogos extensos na internet —mas ainda assusta.
Isso porque muitos dos passeios por museus nesse formato, que se assemelha ao Google Street View, tornaram particularmente difícil ver uma obra. O usuário fica preso num vaivém involuntário de posições na tela, tentando acertar o lugar exato para parar (virtualmente) em frente à obra e, finalmente, vê-la. Só que nem sempre isso é possível.
No caso da exposição das obras dos irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo, o "visitante" consegue vê-las, e a plataforma mantém uma resolução agradável do que está exposto.
Melhor do que selecionar para onde caminhar virtualmente pelos espaços, inclusive, é seguir com o posicionamento que o próprio tour sugere, com a seta de "próximo" no rodapé da apresentação. Assim, pelo menos evita-se a sobreposição de imagens e o zoom ao avançar entre espaços, que causam certa vertigem quando repetidos.
Mas a mostra não cumpre totalmente o que promete —a possibilidade de navegar pelos mais de mil itens da dupla— nem a proposta da curadoria, que é esmiuçada por Jochen Volz, diretor da Pinacoteca e curador da exposição, num vídeo que acompanha o passeio em 360º.
A ideia central da exposição, conta Volz, é dar acesso à trajetória dos dois artistas e à busca deles por um estilo próprio, que não necessariamente chega ao público paulistano já habituado aos bonecos amarelos espalhados pelas ruas da cidade.
A sala dedicada à infância e à adolescência dos irmãos, cheia de cadernos de escola, revistas, fotografias e blocos de desenho, é uma das mais ricas em informações nesse sentido na mostra presencial —mas muito pouco disso é possível acessar na versão online.
O mais perto que dá para chegar dos mostruários onde estão vários desses documentos é a partir de um vídeo curto, registrado com uma câmera inclinada que passa correndo pelos objetos, sem mostrá-los em sua totalidade.
Solução melhor é a que encontraram para algumas fotos na parede e para a maioria dos quadros, em que um still de boa resolução é apresentado ao espectador e faz com que a histórias dos meninos que cresceram no bairro do Cambuci seja tangível, mesmo para quem vê no formato mais pixelado.
Abrir e fechar essas imagens estão longe do passeio prazeroso que é passear entre os quadros ao vivo, é claro. Mas também torna a textura dos tecidos de algumas das obras bem mais visíveis —e, pelo menos, também está distante do bate-bate do público num museu cheio, do que é difícil sentir falta.
É também o que acontece com a parede com o termo "osgêmeos" escrito com tipografias diferentes, quase no fim do percurso proposto pela Pinacoteca. Ao vivo, é um dos belos registros da formação da dupla na exposição, mas fica um tanto apagada na versão virtual.
O próprio curador deixa claro, no vídeo, que nada substitui a presença física. Isso não é exclusivo das obras da dupla Osgêmeos nem da Pinacoteca. Ir a museus e galerias, assim como aos cinemas, teatros e shows, implica sair de casa, deslocar-se e entrar nessa outra condição de luzes, sons e companhia.
Mesmo tecnicamente bem-sucedida na maior parte do percurso, a exposição virtual da Pinacoteca faz ainda com que as obras dos grafiteiros deem um passo mais distante do espaço em que sempre têm sua maior potência: as ruas.
É o que acontece também na plataforma da exposição do Whitney Museum, "Vida Americana", sobre muralistas mexicanos, bem mais estática e menos interessante que a da Pinacoteca.
O esforço da instituição americana para disponibilizar áudios, imagens e um breve documentário sobre nomes como José Clemente Orozco, Diego Rivera e David Alfaro Siqueiros se converte num acesso importante, de qualquer lugar do mundo, a histórias que ficariam restritas aos que passam por Nova York. Mas nada no material traduz a escala e a sensação de estar na frente de um desses murais.
Vale lembrar ainda que não só o confinamento durante a pandemia tem impedido o paulistano de ver os grafites no espaço urbano. A Prefeitura de São Paulo, sob a gestão de João Doria, apagou uma série de obras pela cidade em 2017 —ato criticado, inclusive, pelos artistas da dupla.
Enquanto é possível se abastecer com esses vídeos e mostras virtuais, e até com um passeio guiado pelos próprios artistas no YouTube, aguardamos o momento em que, finalmente, será mais responsável dar um passo rumo ao museu. E, depois, em direção às ruas.
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