No Brasil, muitos nomes negros que estiveram presentes em momentos marcantes da história não são nem sequer conhecidos por causa de um longo um processo de apagamento. Algumas iniciativas vêm tentando resgatar esse passado —e vislumbrar um novo futuro. Entre elas, duas exposições em São Paulo.
No Itaú Cultural, uma das principais intelectuais e ativistas do movimento negro, Sueli Carneiro, com 71 anos completados recentemente, ganha uma exposição sobre sua obra e sua trajetória. A partir deste sábado, dia 28, a "Ocupação Sueli Carneiro" estará disponível tanto presencialmente no espaço quanto no site da instituição.
Muitos dos documentos e obras que compõem a mostra foram reaproveitados da biografia recém-publicada “Continuo Preta”, escrita pela jornalista Bianca Santana, que também faz parte da equipe de curadores da exposição. Parte do que será exibido estava guardado na casa onde Carneiro viveu, espaço que em breve sediará a Casa Sueli Carneiro.
São cerca de 140 peças —entre fotografias, vídeos, artigos, livros e objetos pessoais que mostram a face intelectual de Carneiro, mas também seu lado pessoal. Estão registrados logo no início da mostra, por exemplo, alguns parentes dela, que utilizam a imagem de um quilombo para falarem de suas histórias.
Além disso, a Carneiro amante de futebol, paixão que compartilhava com o pai e os irmãos, também está presente na exposição. Os curadores conseguiram emprestada do Museu Afro Brasil uma máscara gèlèdè com o tema do futebol, que está no Itaú. De origem iorubá, o nome batiza o Geledés - Instituto da Mulher Negra, que a filósofa fundou.
Os visitantes também poderão conhecer ainda, como a a biógrafa e curadora Bianca Santana define, a Sueli Baobá —uma árvore muito presente em diferentes culturas africanas, símbolo da conexão entre o mundo material e o sobrenatural. Segundo a jornalista, essa parte representa “aspectos de uma mulher mais velha, idosa, que compartilha o que tem com quem veio depois e com as gerações mais novas”.
Isso porque um dos conceitos trabalhados por Carneiro é o do epistemicídio, ou o assassinato de saberes de povos negros e indígenas. Entre seus aspectos estão o fato de pessoas negras não serem reconhecidas como produtoras de conhecimento e a falta de acesso e de oportunidade para produzi-lo. Todas essas dimensões estarão presentes na ocupação, diz Santana.
“O conhecimento produzido por ela vai estar exposto, celebrado num prédio na avenida Paulista. É a Sueli reconhecida como intelectual. A juventude negra pode ter acesso a um conhecimento que muitas vezes está inacessível”, afirma a curadora.
Enquanto Carneiro é celebrada em vida, outros nomes que marcaram a trajetória do povo negro brasileiro no passado são reconhecidos na exposição "Enciclopédia Negra", em cartaz na Pinacoteca.
A mostra está disponível para ser visitada presencialmente até novembro e ganhou recentemente um tour virtual no site do museu. Segundo a instituição, a visita online é uma resposta à pandemia aos protocolos de segurança seguidos pelo museu, mas também uma forma expandir a programação nacionalmente e até para fora do país. “Para um museu como a Pinacoteca, que lida com recortes de artes e identidades brasileiras, o público de outros lugares é importante”, diz Ana Maria Maia, curadora do espaço.
Na visita digital, 103 obras são disponibilizadas em alta resolução —às vezes com um zoom não muito certeiro, é verdade, mas com tags explicativas das peças e os textos da equipe de curadoria. Todo o espaço é explorado em 3D.
A exposição é fruto do livro de mesmo nome escrito por Flávio dos Santos Gomes, Lilia Moritz Schwarcz e Jaime Lauriano, publicado em março deste ano pela Companhia das Letras. Nele, personalidades negras que costumam ser pouco ou totalmente desconhecidas são apresentadas. Como não há registro delas em imagem, 36 artistas contemporâneos foram convidados para retratá-las —são esses originais que estão expostos na Pinacoteca e formam a exposição, todos doados para o museu.
Pelas três salas da mostra, a invisibilidade é rompida com registros de líderes de movimentos de resistência, participantes do processo de libertação dos escravizados, mulheres que tiveram de ser separadas de seus filhos, mestres curandeiros, professores, advogados, artistas, entre outros.
As imagens foram produzidas por nomes como Amilton Santos, Mônica Ventura, Elian Almeida e Tiago Sant’Ana. Ao todo, 64 dessas obras são inéditas.
Tour virtual 'Enciclopédia Negra'
Disponível no site. Grátis
Exposição presencial 'Enciclopédia Negra'
Pinacoteca - praça da Luz, 2, Luz, região central. Ingressos com horário marcado e vendas pelo site (https://pinacoteca.org.br/ingressos-e-releases/ ). Até 8/11. Ingr.: grátis até 28/8; depois, R$ 20
'Ocupação Sueli Carneiro'
Itaú Cultural - av. Paulista, 149, Bela Vista, região central. De 28 de agosto a 31 de outubro. Ter. a dom., das 12h às 18h. Grátis. Informações no site
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