A Batekoo percorreu um longo caminho até se consolidar como uma plataforma cultural e artística. A união de dois mundos a caracteriza: o underground, da noite das festas, e o político, do movimento preto.
Ela foi criada por Mauricio Sacramento, o Fresh Prince da Bahia, em Salvador, na Bahia, em 2014, para ser uma festa produzida por e para pessoas pretas e LGBTQIA+. Mas o que nem Sacramento ou seus sócios imaginavam é que a balada se espalharia pelo país, ganharia outras frentes e culminaria em um festival próprio —o primeiro rola neste sábado, 10, na zona leste de São Paulo. Entre as atrações estão Ludmilla, Karol Conká e o grupo Fat Family.
Para os organizadores, a chegada ao Festival Batekoo vem do espaço de autoafirmação para muitos jovens negros que as noites de festa proporcionaram. Na época em que festa surgiu, as referências de beleza e estética preta ainda eram poucas. Não demorou para que os vídeos e fotos das baladas viralizassem no Facebook, puxadas pelo visual do público: pretas de cabelos coloridos, em trança ou black power, combinando com looks extravagantes.
Artur Santoro, um dos idealizadores, acredita que ir à Batekoo ajuda a ampliar a noção do que é ser ser negro no Brasil. "Há mulheres que alisavam o cabelo e começaram a utilizar trança e a fazer a transição capilar depois de ir à festa", conta.
O evento nasceu em um momento em que as redes sociais impulsionavam a gestão da "geração tombamento", com o uso da estética e arte como ferramenta de combate ao racismo. Seu crescimento foi inevitável: hoje a Batekoo tem agenda em Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro, onde predomina o funk carioca, em Recife, com brega funk, e em Brasília, onde o vogue domina as pistas.
E a ideia é transportar toda essa combinação de estilos musicais e representatividade negra e LGBTQIA+ para o festival, o primeiro organizado pelo grupo. Além de Ludmilla e Karol Conká, a programação traz Seu Oswaldo, o primeiro DJ do Brasil, Rennan da Penha, MC Dricka e Afro B. Até o Fat Family, de hits dos anos 1990 como "Jeito Sexy", se apresenta no evento.
Esta é a forma encontrada por eles de tensionar o setor de eventos, que mostra diversidade no palco com um ou outro artista, mas não nos bastidores ou até mesmo na plateia. O slogan do festival deixa claro o cutucão: "A gente não quer ser assistido. A gente quer se assistir".
Tudo foi pensado a partir de políticas de acesso para pessoas negras, desde a escolha do endereço —a Neo Química Arena, o Itaquerão, na zona leste da cidade e onde está a maior parte do público da Batekoo—, até as listas de gratuidade para pessoas trans, pessoas com deficiência e africanos que residem no Brasil.
A preocupação em promover eventos diversos, acessíveis e seguros fizeram com que a Batekoo se expandisse para outros quatro eixos. O primeiro, é claro, é a produção, à frente das festas.
Artistas que frequentavam a festa desde o início foram impulsionados pelo coletivo —gente como Linn da Quebrada, Liniker, Urias e Pabllo Vittar. A relação com a música levou à Batekoo Records, dedicada a fomentar o crescimento de músicos negros, como a funkeira Deize Tigrona, cujo cachê aumentou dez vezes desde o início da parceria, e Tícia.
Outra iniciativa do coletivo é a Escola B, projeto educacional com cursos de capacitação para pessoas negras e LGBTQIA+. Por fim, diante do contato com marcas, surgiu ainda uma consultoria. "A gente sabe o quanto elas ainda têm a avançar no debate de questões sociais, principalmente a racial", afirma Santoro.
Mesmo que esteja cada vez maior, a Batekoo mantém suas raízes nas propostas que proporcionaram seu surgimento. "Hoje, minha maior preocupação é fazer com que a Batekoo se mantenha esse espaço seguro e fora da curva, fora do convencional", afirma o criador Sacramento.
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