'Donatello', de Vitor Rocha, resgata dores e amores da infância

Musical conta a história de um menino que lida com o Alzheimer do avô

São Paulo

Em um teatro intimista como é o Commune, na rua da Consolação, região central de São Paulo, o público assiste aos espetáculos perto dos artistas que estão em cena, sem as barreiras dos palcos tradicionais.

No musical "Donatello", em cartaz às quintas-feiras, essa intimidade é ainda maior. Durante uma hora e meia, é como se a plateia fizesse parte da família de Amendoim, um garoto sonhador que amadurece enquanto lida com a doença do avô e as dificuldades no relacionamento com o pai.

Um homem jovem está sentado em uma cadeira, sorrindo enquanto segura várias colheres de madeira nas mãos. Ele usa uma camisa laranja e tem um palito na boca. Ao fundo, há uma mesa colorida e um ambiente escuro, sugerindo um cenário de apresentação teatral.
Vitor Rocha, com pazinhas de sorvete, em cena de 'Donatello' - Victor Miranda/Divulgação

Ao entrar no teatro, o público já encontra o ator e dramaturgo Vitor Rocha pedindo sugestões para a história: um nome de cachorro, um programa de TV, um doce de padaria, por exemplo. São dicas que realmente entram na peça, assim como algumas pessoas da plateia, em breves participações.

Rocha escreveu e protagoniza o musical. No palco, além dele, há apenas o músico Felipe Sushi, que executa a trilha sonora ao vivo, em um piano.

O cenário é simples, com poucos móveis. O que mais chama a atenção é a desenvoltura do artista para interagir com o público, contar a saga de Amendoim, cantar e ativar memórias que fazem muita gente da plateia chorar.

O tema é mesmo comovente: um menino que, de uma hora para outra, descobre o Alzheimer do avô e cria uma estratégia para manter as lembranças por meio de sabores de sorvete. Para cada acontecimento ou sentimento há uma associação à sobremesa preferida dos dois.

O garoto que acredita nos próprios superpoderes cresce, enfrenta os desafios da adolescência e chega à vida adulta com algumas dores na alma, além de um cardápio imaginário recheado de memórias, desencontros e afetos.

Rocha, 26, perdeu o pai ano passado, vítima de um tumor cerebral. Não conviveu com nenhum familiar com Alzheimer, mas teve a noção das dificuldades ao presenciar confusões mentais, esquecimentos e trocas de palavras durante o período da doença paterna.

"Quis falar sobre quem convive com as perdas, o desânimo pós-diagnóstico", afirma.

Nas pesquisas antes de escrever, ele ouviu depoimentos e procurou o que há em comum nas histórias. Quando conversa com o público, após o espetáculo, percebe que existe uma identificação com as despedidas familiares e a relação conflituosa do personagem com o pai.

"O pai não demonstra afeto por meio da palavra, é mais durão, e o público jovem se identifica com essa dificuldade no relacionamento com os mais velhos".

Ao crescer, Amendoim compreende que nem tudo acontece como gostaria. "A grande evolução do personagem é aprender que algumas coisas ele não consegue controlar", ressalta o ator.

Nascido em Jacutinga, no interior de Minas Gerais, Rocha escolheu o teatro na infância e teve o incentivo da mãe para fazer um curso técnico na escola Macunaíma, em Campinas. Em São Paulo desde 2016, tentou a sorte em audições e, depois de algumas rejeições, decidiu escrever os próprios espetáculos.

Montou, então, "Cargas d´água - um musical de bolso", fábula sobre um menino que perde a mãe e tem a missão de levar o melhor amigo, um peixe, para ver o mar.

"O espetáculo me colocou no mapa. Era um musical original, pequeno. As pessoas prestaram atenção na história e nas músicas, que tinham brasilidade", lembra.

Depois vieram "Se essa lua fosse minha", "O mágico di Ó", "Bom dia sem companhia", "Mundaréu de Mim" e, agora, "Donatello", além de espetáculos escritos sob encomenda, como "Todo chapéu me lembra você" e o infantil "Pet Shop, o Musicão".

Com dramaturgia e letra musical do artista, "Mundaréu" foi a primeira grande produção do IBT (Instituto Brasileiro de Teatro), fundado em 2021 com o objetivo de gerar conexão entre a iniciativa privada, as produções teatrais e o público. O musical, montado ao ar livre, no parque da Água Branca, foi assistido por 33 mil pessoas.

Depois dele, Rocha teve vontade de voltar às produções menores e independentes que marcam a sua trajetória.

Ele tem um público fiel, que lota os teatros e o espera na saída para bate-papos. A primeira temporada de "Donatello" atraiu público de mil pessoas em dois meses, com sessões lotadas. E a segunda vem repetindo o sucesso.

"Um espetáculo ajuda o outro. Devo o sucesso de um ao outro", analisa.

O ator não vê problemas em lidar com a arte como um negócio que depende da formação de um mercado sustentável e se identifica como empreendedor.

"Ter um público fiel, que está sempre apoiando, é o sonho de qualquer um", diz.

O "rochaverso", como é chamado por fãs o universo de musicais singelos criados pelo artista, é alimentado por ele por meio da atenção que gosta de dar a quem assiste os espetáculos e se emociona com suas fábulas.

"Sou muito feliz nas portas de teatro", conclui.

Donatello

  • Quando Quintas-feiras, às 20h30. Até 10 de outubro.
  • Onde Teatro Commune
  • Preço R$ 100 (inteira) e R$ 50 (meia)
  • Autoria Vitor Rocha
  • Elenco Vitor Rocha
  • Direção Victoria Ariante

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