Em peça considerada ótima, ator interpreta porco conformado à espera do abate

Crédito: Divulgação

O ator Henrique Schafer passa 50 minutos em cena interpretando um porco. Ele conta como é viver em um cubículo de 4 metros quadrados esperando a morte chegar, como é se lembrar da época em que vivia livre e o que consegue fazer para passar o tempo.

Na peça "O Porco", considerada ótima pelos críticos da Folha e que está em cartaz às quartas e quintas-feiras no Teatro Ecum (centro de São Paulo), até a próxima semana, o público acompanha as lamentações, as memórias e as convicções desse bicho que é tratado à base de lavagem e desprezo.

Schafer conta que teve que se livrar de todo "egocentrismo, vaidade e ansiedade" para poder atingir um estado em que fosse capaz de chegar até o espectador sem artificialismos. Foram anos de exercícios, de estudo, e o resultado é que o ator não precisa imitar, literalmente, o porco para que o público acredite que ele está ali, o tempo todo.

Dirigida por Antonio Januzelli, a peça utiliza um texto feito a partir de uma tradução do original francês "Strategie pour deux Jambons", de Raymond Cousse --que é "dono de uma obra visceral, incômoda e questionadora", diz Schafer.

O espetáculo é triste e angustiante, mas também tem humor. E retrata essa resignação que o porco da peça sente ao perceber que o fim está próximo, e que ele serve exatamente para isso.

"Apesar de falar do porco, há uma fricção inquietante com a vida de todos nós", comenta o artista. Até porque a morte está aí para todos.

Henrique Schafer também faz parte do elenco do filme "O que se Move", outro que recebeu quatro estrelas, avaliação máxima feita pelos críticos.

Informe-se sobre a peça

Crédito: Divulgação Peça de Henrique Schafer (foto), avaliada como ótima pelos críticos, fica em cartaz até a semana que vem no Teatro Ecum


LEIA O QUE HENRIQUE SCHAFER DIZ SOBRE A PEÇA:

COMO COMEÇOU

Em 2000, o Antonio Januzelli me convidou para um trabalho de pesquisa das práticas do ator, dentro do Departamento de Artes Cênicas da Eca/Usp. Eu estava fazendo Licenciatura em Artes Cênicas e me interessava algo que genericamente chama-se de pedagogia do ator. Em 2003, abrimos para o público acadêmico o resultado que havíamos alcançado até então.

A recepção foi tão positiva que resolvemos levar o espetáculo para fora da universidade. Seguimos desde então trabalhando para alcançar as sutilezas mais profundas do trabalho do ator. Fizemos algumas temporadas em São Paulo e viajamos para várias cidades e Estados, de Porto Alegre a Macapá, até 2008. Resolvemos voltar porque, embora muita gente tenha ouvido falar da peça, sempre fizemos para uma plateia reduzida, uma condição desse trabalho, de modo que muita gente não viu ainda e pedia pra voltar.


O TEXTO

O texto de "O Porco" é uma tradução de "El Cerdo", do diretor e dramaturgo espanhol Antonio Andres Lapeña. Por sua vez, este é uma adaptação do original francês "Strategie pour deux Jambons", de Raymond Cousse. Esse autor, que em dado momento resolveu ir para o palco dar voz a suas novelas (não era dramaturgia, nem tampouco ele era ator), é dono de uma obra visceral, incômoda, questionadora. Confesso que quando li o texto pela primeira vez não me dei conta de toda sua grandeza. É praticamente um manual para a engorda e abate de um porco.

À medida que mergulhamos no trabalho, o texto foi se revelando em camadas. Ainda hoje, descubro camadas mais profundas que encontram em mim alguma ressonância. Aliás, esse é o cerne do trabalho. Revelar, desvelar os sentidos do texto num encontro intenso e profundo com o espectador. O texto permite isso. Apesar de falar do porco, há uma fricção inquietante com a vida de todos nós.


INTERPRETAR UM PORCO

A opção do Janô (Januzelli) foi a de não seguirmos o caminho da mimese, ou seja, de assumir a postura de um porco. Todo o tempo, trabalhamos para que o homem/ator estivesse em cena limpo, livre de vícios, convenções, condicionamentos. Essa consciência do corpo é um processo longo, resultado de exercícios contínuos, de preparo, de aquecimento, de limpeza.

O corpo em cena está sob a força de vetores diferentes, nunca num estado de conforto. Essa tensão, contração e contenção é que talvez leve o espectador a ver um porco em cena. O corpo do ator é o veículo e o resultado daquilo que fala o texto. Acredito que essa opção do Janô foi fundamental para extrair do texto toda sua potência.


A PREPARAÇÃO

Desde o início sempre fizemos um trabalho prático, físico. Lia o texto várias vezes, de diferentes formas propostas pelo Janô. Fomos desconstruindo toda uma forma de representação teatral ao mesmo tempo que conversávamos horas e horas sobre as nossas descobertas. O Janô trazia todo um conhecimento profundo acerca não do ator, mas do homem.

Tínhamos que nos livrar também de todo o egocentrismo, vaidade, ansiedade do homem/ator para que eu pudesse atingir um estado em que fosse capaz de chegar até o espectador sem artificialismos. Foram anos de exercícios que se renovam agora que retomamos o trabalho. Estamos numa nova fase, em que trabalhamos para alcançar outras nuances da expressão dramática.

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