Em 'Poesia Sem Fim', Jodorowsky exibe versão onírica de sua vida

O cineasta chileno Alejandro Jodorowsky diz que atende qualquer um que o procura sem perguntar a que vem --fãs, colegas, curiosos --, um pouco como costumava ler, a quem quisesse, suas cartas de tarô. Numa tarde de sexta -feira atendeu, por telefone, a reportagem da Folha: "Diga-me: como posso ajudar?".

Poeta, mímico, ator, autor, quadrinista, tarólogo, diretor cult, ídolo hippie, guru espiritual, xamã tecnológico, discípulo do surrealista André Breton... Aos 87 anos, ele se enfurece sempre que tentam classificá-lo ou sondar quais são suas referências estéticas.

"A mente humana não está acostumada ao diferente. Daí não sabem me encaixar", diz. "Não tenho nostalgia do passado, tenho nostalgia do futuro. Sou jodorowskiano!"


A Mostra de SP exibe uma típica obra jodorowskiana: o longa semiautobiográfico "Poesia sem Fim", que traz muitos dos elementos que marcaram sua obra, como o universo onírico, o misticismo, a sexualidade e um tanto de ensinamentos "new age".

É a segunda parte de uma pentalogia em andamento e que começa onde parou o anterior, "A Dança da Realidade" (2013): na chegada da família Jodorowsky a Santiago, nos anos 1940. Na capital, o jovem Alejandrito (vivido em sua fase madura por Adan, filho do diretor) ensaia seus primeiros passos como poeta, para desespero do pai, que acha que ler Federico García Lorca é "coisa de maricas".

No entorno do Café Íris, em Santiago, Alejandro é acolhido pelos boêmios locais: a esquentada poeta Stella Díaz, que desfere socos a esmo, e o parceiro Enrique Lihn, cuja namorada, uma anã de nome Pequeñita, ele seduz.

"A poesia costumava ser subversiva", diz o diretor. "Mas os poetas viram putas: tudo hoje é comércio. O dinheiro e a busca por celebridade matam a obra de arte."

Nada em "Poesia sem Fim" é naturalista: as falas da mãe são cantadas, há anões vestidos de Hitler, pianistas que martelam teclas. Numa das cenas mais visualmente ricas do longa, um carnaval de rua opõe foliões fantasiados de caveira e outros, de demônio.

"Todo realismo na arte é falso, porque a realidade muda. A arte não pode copiar o que é real. Ela é pintura, não é espelho", afirma Jodorowsky, que na década de 1960 formou o Movimento Pânico, de inspiração surrealista, com o espanhol Fernando Arrabal e o francês Roland Topor.

LENNON, JAGGER E DALÍ

Foi por volta dessa época, e imbuído dessas mesmas ideias, que o diretor estreou nos longas com "Fando e Lis" (1968) objeto inclassificável perto do que se produzia até então. "El Topo" (1970), faroeste absurdo protagonizado por um pistoleiro vestido de preto e um menino pelado corroborou seu status cult.

John Lennon era fã de "El Topo" e ajudou a bancar "A Montanha Sagrada" (1973), jornada esotérica de uma trupe que topa com situações bizarras. George Harrison quase fez o personagem principal, um Jesus futurista. Recusou porque não quis uma cena em que teria de limpar o ânus na frente das câmeras.

Seu próximo filme seria uma adaptação de dez horas do romance "Duna", com Orson Welles, Mick Jagger, Alain Delon e Salvador Dalí. Abortou. Sua carreira no cinema se tornou bissexta: nos 40 anos seguintes fez só três longas, mas compôs discos, escreveu HQs e livros e se dedicou a difundir sua psicomagia, terapia que mistura arte, psicologia e espiritualismo.

Ao estrear em Cannes, em maio, "Poesia sem Fim" colheu elogios como o de "filme mais acessível" do diretor. É seu primeiro longa em parte financiado por vaquinha virtual --a contrapartida mais simples era uma nota de "dinheiro poético". A campanha faturou US$ 442 mil (cerca de R$ 1,38 milhão) --o objetivo inicial era de U$ 350 mil.

"A arte é uma necessidade quase fisiológica. A campanha deu certo porque as pessoas estão cheias de filmes que sejam só propaganda pura. Os jovens não são idiotas como Hollywood crê", diz.

Jovens esses que são uma boa porção do 1,24 milhão de seguidores que Jodorowsky tem no Twitter e para os quais oferece pílulas edificantes.

"Não sou um profeta, sou um artista. Não creio na política, creio na poética", diz.


POESIA SEM FIM
(Poesía Sin Fin)
DIREÇÃO Alejandro Jodorowsky
ELENCO Adan Jodorowsky, Leandro Taub, Pamela Flores
PRODUÇÃO Chile, Japão, França, Reino Unido, 2016, 14 anos
MOSTRA ter. (25), às 19h30, no Frei Caneca 1; qua. (2), às 16h40, no Itaú Augusta 1

Confira toda a programação no site do "Guia" da Mostra.


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