Museu das Favelas é inaugurado com arte colaborativa em palácio histórico no centro de SP

Instituição abre neste sábado (26) com programação que destaca a diversidade das periferias

São Paulo

A estrutura colonial que domina um quarteirão no centro de São Paulo ganhou um destino que destoa de seu objetivo inicial. O prédio é o Palácio dos Campos Elíseos, transformado em casa para que o Museu das Favelas apresente novas histórias a partir deste sábado, 26, quando o equipamento abre as portas.

O Palácio dos Campos Elíseos, sede do novo Museu das Favelas, em São Paulo
O Palácio dos Campos Elíseos, sede do novo Museu das Favelas, em São Paulo - Black Pipe/Divulgação

Carla Zulu, coordenadora de relações institucionais do museu, conta que o imóvel de cerca de 4.000 m² foi construído no final do século 19 para ser a casa da família de Elias Antônio Pacheco e Chaves, um cafeicultor e político.

Desde então, se tornou um local histórico. Em 1912, virou a residência oficial dos governadores e, posteriormente, o palácio oficial do governo de São Paulo. Na Revolução de 1924 foi ocupado e, por isso, sofreu bombardeios —o que se repetiu na Revolução de 1932.

Depois ainda vieram um incêndio, dois períodos de restauro e o tombamento do edifício, em 1977. Secretarias de governo e outras instituições ainda passaram por ali até que fosse, enfim, ocupado pelo Museu das Favelas, que é uma iniciativa da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo.

"Agora é a nossa vez", diz Zulu. "Pessoas que construíram o palacete e que ficaram do lado de fora vão entrar e dar uma nova razão para esse espaço". Essa nova fase pode ser avistada fora do prédio, no terraço, onde coloridas cadeiras de praia contrastam com as imponentes colunas da arquitetura europeia.

Para Priscilla Fenics, coordenadora da comunicação do museu, a chegada da instituição ao palácio serve para tensionar discursos que rondam esse tipo de construção. "Por que fazer com que a favela ocupe esse lugar? Que outras narrativas ela traz? É um espaço colonial que passa a ser ocupado por outros corpos, outras memórias", afirma.

Fenics também destaca a importância da localização do prédio, bem próxima à Favela do Moinho, a última do centro de São Paulo, e à Ocupação Mauá, criando um diálogo com a região. E, para a instituição, é a partir desse diálogo que nasce o Museu das Favelas.

O local até criou o Passaporte das Favelas, um ônibus gratuito, para moradores de periferia, grupos de escolas, centros comunitários, terreiros de candomblé e umbanda e igrejas, para visitarem o espaço quantas vezes quiserem.

A programação inaugural exibe uma ocupação-manifesto chamada "Favela Raiz", com cinco instalações. A primeira, exposta logo no teto do hall de entrada, se chama "Raízes". É uma escultura de crochê, que remete a tapetes ou almofadas com retalhos, da artista paranaense Lídia Lisboa. "Tudo aqui é muito pensado em como a favela trabalha seus afetos, e como é que a gente trabalha essas construções de mãe, vó e pai", afirma Zulu.

A obra foi criada junto à cooperativa Sin Frontera, de mulheres bolivianas, e ao coletivo Tem Sentimento, de mulheres trans, durante dois meses —período no qual também receberam um salário.

A instalação aborda o empreendedorismo, uma característica das periferias que Museu das Favelas quer destacar. Além do espaço expositivo, o museu também tem um centro de empreendedorismo, o Corre. Ali, o público encontrará cursos gratuitos de áreas como produção cultural e musical, e também de contabilidade e de tecnologia. Outro espaço educativo é a biblioteca, com livros sobre favelas e suas produções.

A artista paraense Lidia Lisbôa prepara a obra 'Raízes', feita com as mulheres do Coletivo Tem Sentimento e da Cooperativa Sin Fronteras
A artista paraense Lidia Lisbôa prepara a obra 'Raízes', feita com as mulheres do Coletivo Tem Sentimento e da Cooperativa Sin Fronteras - Black Pipe/Divulgação

O espaço expositivo também exibe "Visão Periférica", uma instalação audiovisual sensorial. Nela, imagens feitas por 20 fotógrafos e produtores de conteúdo de periferias do Brasil mostram as diferentes experiências nas favelas em projeções nas paredes e janelas.

Em seguida, o público encontra mais uma instalação, no salão de espelhos. Dessa vez, o visitante usa fones de ouvido para ouvir a criação sonora do rapper Kayode enquanto observam o seu próprio reflexo. A ideia ali é exaltar os diferentes tipos de beleza.

Por fim, há a "Identidade Preta", exposição que comemora os 20 anos da Feira Preta, maior evento de cultura negra da América Latina, e mostra, de forma lúdica, sua história.

Além das exposições, o museu terá programação com atividades como rodas de samba e praia literária no jardim —onde, aliás, está uma escultura de alumínio de Beatriz Nascimento, historiadora e ativista antirrascismo, feita por Paulo Nazareth. "Além de comunicar e preservar, a gente também tem a veia cultural", afirma Zulu, a coordenadora.

A organização afirma, ainda, que mantém diálogo com favelas de Salvador, Recife e Manaus para ampliar ainda mais suas conexões. "O museu que nasce aqui com essa cara sudestina, na verdade é o museu das favelas —e onde estiver favela, o museu tem que estar presente", afirma Zulu.

Museu das Favelas

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