Caco Ciocler dirige clássica peça de Sartre sobre o inferno; leia entrevista

Clássica peça escrita em 1944 pelo filósofo francês Jean Paul Sartre, "Entre Quatro Paredes" ganhou o prefixo "No Exit" na adaptação que estreia nesta sexta-feira (dia 12) no Sesc Santo André, com direção de Caco Ciocler.

Os ingressos custam entre R$ 5 e R$ 20 e estão à venda em qualquer unidade da rede Sesc. A temporada segue de sexta a domingo até o dia 4 de agosto.


O acréscimo no nome, explica o encenador, enfatiza a condição "sem saída" na qual se encontram os personagens da trama, levados ao inferno e confinados juntos em um cômodo sem janelas.

Garcin (José Geraldo Junior) tenta esconder sua covardia. Estelle (Sabrina Greve) é uma fútil burguesa. Já Inês (Chris Couto) foi o pivô de um triângulo amoroso com resultados desastrosos. Obrigados a dividir o mesmo espaço, eles descobrem que a convivência é o seu verdadeiro castigo.

A versão, que não tem cortes ou adaptações no texto, busca a simplicidade da montagem original --à época, durante a Segunda Guerra, o orçamento das produções era baixo-- e aposta no trabalho dos atores.

"Toda a teoria existencialista de Sartre coloca no ser humano a responsabilidade pela condução da sua vida", comenta Ciocler. "Não há sentido fazer um Sartre em que a responsabilidade não esteja com os atores."

O cenário (feito de papelão) e a iluminação buscam a mesma sutileza. "Assim como os personagens, os atores não têm [recursos cênicos] para onde fugir", diz o diretor.

Informe-se sobre a peça


LEIA ENTREVISTA COM CACO CIOCLER

Guia Folha - Como surgiu a ideia de montar esse texto do Sartre?
Caco Ciocler - Foi uma coincidência. O produtor Ricardo Grasson tinha comentado que estava interessando em montar esse texto. E, uma semana depois, o meu analista --de novo, né? Meus últimos três trabalhos foram indicações do meu analista-- também falou da peça.

Na sua versão, você preferiu remeter à montagem original, que era bastante enxuta, e registrar o trabalho do ator. Por que essa escolha?
O texto surgiu dessa maneira [enxuta]. Foi uma amiga de Sartre que o pediu por encomenda e tinha que ser uma peça com poucos atores e poucos elementos cênicos, porque durante a Segunda Guerra eles não tinham dinheiro. Isso também me fascinou, já que eu sou ator e esse é um espetáculo que fica muito na mão da atuação. Além disso, toda a teoria existencialista de Sartre dá a cada um de nós a responsabilidade diante da nossa vida. Então não tem sentido fazer um Sartre em que a responsabilidade não esteja na mão dos atores.

Em nenhum momento vocês quiseram fazer uso de mais recursos cênicos?
Diariamente eu tive tentações. É um texto muito difícil. É uma obra pela qual todo mundo se apaixona, mas, quando você começa a levantar o espetáculo, você vê o tamanho da encrenca. Eu pensei em colocar uma trilha sonora, mais luz ou cenário para me ajudar. Mas resistimos até o fim. O cenário e a luz são muito simples e não há trilha sonora, então tá tudo na mão dos atores. Isso é, ao mesmo tempo, um presente e um desafio muito grande para o ator.

Crédito: Christian von Ameln-18.ago.2011 /Folhapress O ator Caco Ciocler dirigie a montagem "No Exit - Entre Quatro Paredes", baseada no texto de Sartre
O ator Caco Ciocler dirigie a montagem "No Exit - Entre Quatro Paredes", baseada no texto de Sartre

Além desses aspectos, você buscou outras referências à montagem original ou a outras montagens da peça?
Não, a única coisa que fizemos foi não cortar nem adaptar o texto, que é algo que todo mundo faz quando vê como a obra é complicada. E cobrei de mim e dos atores que fôssemos capaz de dar força a cada palavra do texto. Eu sempre achei meio estranho a gente se apaixonar por esse texto e, na hora de montar, achar que ele está atrapalhando e querer cortá-lo, moldá-lo ao nosso tamanho. Sempre pensei que Sartre nos cobraria a responsabilidade de chegarmos à altura do texto, e não de diminuí-lo até o que sejamos capazes de fazê-lo. É um risco, mas essa forma dialoga com a história do texto, de três pessoas no inferno que não têm para onde fugir. Os atores também não têm para onde fugir. Não tem luzinha bonita, não tem cenário bonito, não tem nada.

E de onde vem esse primeiro nome, "No Exit"?
Existem algumas traduções desse texto ["Huis Clos", no orginal francês] que o chamam de "Sem Saída". E eu acho que tem mais a ver do que "Entre Quatro Paredes". "No Exit" é uma coisa que está no imaginário das pessoas, remete àquela plaquinha de saída de emergência. E, na peça, os personagens não têm uma saída, não têm para onde correr. Sempre achei forte esse símbolo do "sem saída". Depois, colocamos o subtítulo ["Entre Quatro Paredes"] porque vimos que as pessoas não relacionavam o nome "No Exit" com o texto do Sartre.

O cenário é todo feito de materiais recicláveis. Como surgiu essa concepção?
Na verdade, nem foi pelo fato de serem recicláveis, isso é só um detalhe. O cenário é todo feito de papelão. A gente conseguiu um patrocínio para o material, mas, mesmo que não tivéssemos conseguido, o cenário seria baratíssimo. Além disso, ele é todo desmontável, dá para viajar com o espetáculo no porta-malas de um carro. E ele dialoga com esse princípio da simplicidade com o qual o espetáculo foi feito.

Esta é sua quarta incursão na direção. Na sua carreira, como você vê seu trabalho como diretor?
Eu adoro, tenho o maior prazer. Uma vez me perguntaram se eu já reconhecia em mim alguma linha estética como diretor. Mas não, eu fiz espetáculos completamente diferentes uns dos outros. Como eu sou ator, sempre parto do ator e o que a encenação pode dar de sustento para que a atuação venha à tona. Sempre acreditei que, pelo menos no teatro, o ator fosse o grande responsável pela condução e pela manutenção do espetáculo. O resto é para potencializar isso de alguma maneira.

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