Em 'O Campo de Batalha', soldados rivais ficam sem munição após crise

Dois soldados inimigos estão em campo, durante a Terceira Guerra Mundial, até que uma crise global provoca falta de munição. Nessa pausa forçada, enquanto aguardam por novas orientações, os combatentes acabam estreitando laços, compartilhando questões pessoais e confrontando ideias.

É durante esse momento tenso e decisivo que se passa "O Campo de Batalha", no CCBB.

Dirigida por Márcio Meirelles e com codireção de Lázaro Ramos e Fernando Philbert, a peça suscita um debate e faz com que o público tome um partido.

Crédito: Lenise Pinheiro/Folhapress Rodrigo dos Santos (esq.) e Aldri Anunciação em cena da peça "O Campo de Batalha"

O texto foi escrito por Aldri Anunciação, que divide o palco com Rodrigo dos Santos. Esse é o segundo espetáculo de sua autoria -o primeiro foi "Namíbia, Não!", que fala de um decreto brasileiro que obriga todos com "melanina acentuada" a irem para a África.

"Ambos os textos aliam entretenimento e reflexão, são histórias que se passam em um futuro próximo e foram originadas de inquietações de natureza social", diz Aldri. O autor e ator conta, ainda, que os conflitos da peça podem ser encontrados no dia a dia.

"Chegamos a um ponto onde provocam-se 'combates' por questões mínimas. Acho que a sociedade necessita de uma pausa para refletir sobre suas ações."

O áudio transmitido durante a peça foi gravado pela atriz Fernanda Torres.

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ENTREVISTA COM ALDRI ANUNCIAÇÃO

Guia Folha - Seu primeiro texto ("Namíbia, Não!") era muito irônico e questionador. Em "O Campo de Batalha", sua ideia era manter em pauta temas fortes e que façam pensar?
Aldri Anunciação - Gosto da ideia de provocar pensamentos. E o teatro me parece o local mais adequado para esse exercício, pois permite a articulação de significados, não somente em tempo real (vide as transmissões on-line), mas oferta o tempo real de forma presencial, o que faz toda a diferença.

Os acontecimentos de uma peça de teatro ocorrem ali na sua frente, sem necessidade de interface. Em "O Campo de Batalha", mais uma vez percebo que me utilizo desse encontro com o público para discutir assuntos que considero relevantes à sociedade. Tento articular os textos (e acho que conseguimos isso com o espetáculo "Namíbia, Não!") de modo que o assunto não tenha uma posição partidária.

Uso argumentos antagônicos nas personagens que escrevo. Assim, deixo que o espectador tome seu partido e sua decisão sobre qual dos argumentos apresentados no espetáculo merecem o seu apoio. Ou seja, a relevância sobre se o assunto é forte ou não é definida pelo espectador. Costumo denominar essa dramaturgia de espetáculo-debate.

Demorou quanto tempo para você escrever a peça? E de ensaio?
Esse tipo de dramaturgia é composto de assuntos diversos. Tenho várias cenas-debate escritas. Quando percebo que algumas delas dialogam com o nosso presente, as seleciono e compilo tudo dentro de uma situação dramática convergente, onde dois personagens antagônicos iniciam o conflito de ideias.

O texto de "O Campo de Batalha" é composto de cenas que eu já havia escrito há muito tempo, e outras que escrevi ainda em 2014, ou seja, não consigo determinar o tempo exato de construção desse texto. Já o tempo de ensaio de "O Campo de Batalha" sim: foram 40 dias.

O Lázaro Ramos deu algumas ideias durante a produção do texto. Quem mais colaborou dando alguma sugestão?
Lázaro foi o primeiro amigo a quem apresentei a ideia desse novo texto. Ele tem um senso crítico aguçado, principalmente quando o assunto envolve questões sociais. A gente se identifica muito, nesse sentido. E como ele foi o primeiro diretor que levou um texto meu pro palco, percebe de primeira as minhas intenções dramatúrgicas. As provocações que ele me fez após ler o primeiro tratamento do texto me estimularam a formatar os seguintes.

Lázaro age como um grande provocador da minha escrita! Além dele, tenho como aliado o Márcio Meirelles, diretor, que de uma certa forma recria a dramaturgia através da encenação. Meirelles é um encenador bastante autoral! Suas intervenções obviamente acontecem no levantamento do texto para o palco, mas influenciam a dramaturgia final da peça. Tive a sorte de Márcio Meirelles querer falar sobre este assunto —e no mesmo momento que eu.

Acha que a peça mostra uma visão pessimista da humanidade?
Ou sugere algum tipo de esperança?
Pessimismo e otimismo caminham lado a lado. E esse antagonismo é muito bem-vindo numa dramaturgia que tem o debate como foco principal. Nossa humanidade também tem nos apresentado soluções supostamente otimistas, que, se analisadas a partir de uma determinada perspectiva, podem ser pessimistas, sobretudo em seus projetos de futuro.

Então, acho muito relativo essa questão do pessimismo e do otimismo. Já a esperança é menos antagônica, acho ela mais absoluta. Até mesmo em situações bastante difíceis podemos ativar a esperança. Então considero que podemos encontrar todos esses três elementos (pessimismo, otimismo e esperança) no espetáculo. Vai depender mais do olhar do espectador sobre o enredo desta peça teatral e de qual partido o espectador tomará ao se confrontar com as cenas-debate que compõem "O Campo de Batalha".

Para fazer "O Campo de Batalha", que se passa durante uma guerra, você chegou a ler ou a assistir a obras relacionadas ao tema?
Não. Apesar de a peça se passar durante a Terceira Guerra Mundial, os conflitos aos quais me refiro podem ser encontrados no nosso dia a dia atual. Preferi observar mais as polaridades das situações que estamos passando no momento. Acho que chegamos a um ponto de sensibilidade social onde provocam-se "combates" por questão mínimas (noutros momentos, por questões máximas). Decreta-se um inimigo a toque de caixa. Acho que a sociedade necessita de uma pausa para refletir sobre suas ações e conflitos. Não por acaso esse espetáculo acontece numa pausa da Terceira Guerra Mundial. Porque a pausa nas ações pode nos levar ao pensamento e à reflexão de nossas atitudes.

Do seu primeiro texto pra esse, quais diferenças você conseguiu perceber no seu processo de criação?
Você me pergunta sobre a diferença, mas acabo respondendo sobre as semelhanças. Ambos os textos propõem utilizar o teatro como espaço de debate, aliam entretenimento e reflexão, são histórias que se passam em um futuro próximo, e que foram originadas de inquietações de natureza social. Diferenças no processo? Talvez a única seja o fato de ter escrito "Namíbia, Não!" no calor da Bahia e "O Campo de Batalha" no frio de Berlim [risos].

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