A cinematografia da Suíça pode não ser pródiga em autores como a de seus vizinhos europeus. Em contrapartida, a novíssima geração de realizadores do país está mais voltada para o mundo do que para o espelho, como indica a seleção de 25 títulos que compõem o Foco Suíça.
Mais da metade é constituída de documentários, nos quais o enfoque nas transformações sociais desafia o estereótipo de estabilidade e neutralidade ainda associado ao país. "Bem-Vindo à Suíça" põe em xeque essa imagem ideal como consequência da torrente migratória que bate à porta, enquanto "Eu Sou a Gentrificação" acompanha os processos acelerados de mutação urbana para registrar a onda de mal-estar social que se espalha.
Ao olhar para fora, os realizadores também apreendem a desordem no mundo, seja no estreito da Sicília, onde os naufrágios frequentes acabam com a esperança dos imigrantes, como mostra Pescadores de Corpos, seja logo ali, no Rio, onde o desperdício na construção das estruturas para a Olimpíada contradiz as condições miseráveis dos vizinhos da Vila Autódromo, como aparece em "Favela Olímpica".
Entre os filmes híbridos de documentário e ficção, "A Garota do Lago Änzi" e "Antes que o Verão Acabe", ambos dirigidos por cineastas mulheres, chegam com ótima repercussão no circuito dos festivais.
As diretoras, aliás, são outro aspecto forte do Foco Suíça. Em "Blue My Mind" e "Sarah Interpreta um Lobisomem", Lisa Brühlmann e Katharina Wyss reconfiguram na chave da fantasia e do horror as transformações que fazem da adolescência uma idade tão perturbada.
Coerentemente, o protagonismo atrás das câmeras privilegia histórias femininas, como "Mulheres Divinas", filme escolhido pela Suíça para concorrer a uma vaga na disputa pelo Oscar de filme estrangeiro. A realizadora Petra Volpe reconstrói a demorada conquista do direito ao voto feminino, que só alcançou âmbito federal em 1971.
Quem procura experiências radicais encontra em "Animais" um surrealismo hipnótico. Os que não se sentem integrados na humanidade lobotomizada encontrarão o desconforto que procuram em "Aqueles que Estão Bem", um filme de violência fria contra a submissão ao bem-estar.
UM CINEMA DATADO
A essência e a forma de um filme dependem do lugar, do tempo e de seu contexto, diz a voz que acompanha as primeiras imagens de "Amantes do Meio do Mundo". Nenhuma descrição caberia melhor à obra de Alain Tanner, cineasta suíço que ganha retrospectiva nesta Mostra com sete títulos que ele dirigiu entre 1971 e 1999, período de maior vigor de sua criação.
A primeira impressão desse conjunto visto a distância é a de um cinema datado, o que deve ser considerado positivo. Seus filmes são instantâneos de um momento em que ideais revolucionários se apagavam da política e, apesar disso, os indivíduos mantinham a esperança de melhorar o mundo.
Feito em meados da década de 1970, "Jonas que Terá 25 Anos no Ano 2000" preservou sua lucidez ao fazer o balanço de uma geração que perdeu as ilusões após 1968 e, mesmo assim, não se converteu ao conformismo.
Se houve declínio da crença na revolta, seus personagens preservaram a rebeldia como algo inerente à sobrevivência. De "A Salamandra" (1971) a "Messidor" (1979), insubmissão é sinônimo de liberação, por isso Tanner privilegia personagens femininas em pleno processo de transformação.
A afirmação de um desejo próprio contrasta com a fragilidade dos personagens masculinos, que tentam sem sucesso decifrar Rosemonde, protagonista de "A Salamandra". Nos filmes seguintes, as mulheres estão sempre além da fronteira, soltas no mundo ou fora do alcance.
Se mais tarde, em "A Anos-Luz" (1981) e "Na Cidade Branca" (1983), Tanner substituiu a ironia pela melancolia é porque o mundo já havia se tornado inabitável. Assim, seus personagens à deriva devaneiam, fora do lugar e do tempo.
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