Única mulher por trás da nouvelle vague, Agnès Varda é homenageada com retrospectiva




Em 1954, não era costume mulheres diretoras de cinema. Agnès Varda mudou isso: chegou fazendo, de cara, seu primeiro longa-metragem, quase sem dinheiro, em regime cooperativo --o que também não era hábito na época-- e trazendo pela primeira vez num filme o futuro astro Philippe Noiret.

"La Pointe Courte" não é o melhor que fez. Mas, mesmo em seus desequilíbrios, já mostra a audácia e o gosto pelo documentário da autora. Trata-se de mostrar a crise de um casal que se encontra numa vila de pescadores. A crise não é desinteressante, mas o olhar de Varda à vila e à vida dos pescadores já tem muito do que seriam suas realizações futuras.

O filme foi montado por Alain Resnais, o futuro autor do clássico "Hiroshima, Meu Amor" (1959). Com ele, Chris Marker e Jacques Demy, seu marido desde 1962, Varda comporia o que ficou conhecido como o grupo da "Rive Gauche" da nouvelle vague.


"La  Pointe  Courte" constitui um prenúncio do que seria o futuro movimento, em que Agnès  Varda fez sua entrada oficial com o magnífico "Cleo das 5 às 7" (1962), relato em tempo real da jornada de uma jovem a caminho do hospital, onde saberá o resultado de seus exames (ela pode ter câncer). Só e temerosa, ela encontrará um jovem no parque Montsouris.

Se "La Pointe Courte" era marcado por certo egoísmo dos personagens, em "Cleo" tudo se inverte: é a compreensão e o conforto que os frágeis personagens encontrarão um no outro no breve momento que partilham.

Suave por natureza, mas sempre incisiva, Varda poderá analisar a felicidade e a traição ("As Duas Faces da Felicidade", 1965), assim como a amizade entre duas mulheres de trajetórias distintas ("Uma Canta, a Outra Não", 1977). Com igual desenvoltura tratará da jovem sem lei nem teto, ou seja, livre, de "Os Renegados" (1985).

Os temas variam, mas o espírito permanece e é ele que fará de Varda uma cineasta-chave. Seu maior prazer parece ser aproximar documentário e ficção, pessoas e objetos. Ela será, como diz o nome de um de seus filmes, uma catadora: aquela que passa, vai recolhendo o que vê e reorganizando objetos, pessoas, lembranças.

E colocando em questão. Como em seu "Documenteur" (como traduzir? Documentira, talvez), de 1981: uma mulher luta para criar o filho, longe do marido. Existe uma atriz no papel da mulher, mas a criança é Mathieu Demy, seu próprio filho.

Onde está a verdade do que se cata ao passar? Onde está a mentira do documentário? Varda mostra o mundo e o interroga com vitalidade e alegria. Ainda hoje, quando chega aos 90 anos. A lista de 11 filmes que a Mostra de 2017 traz não é completa, mas é uma bela introdução a esta cineasta essencial.

Veja salas e horários de exibição.

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