"Esplendor" (ou "Hikari", no original) é uma lufada de delicadeza numa safra de filmes pesados. Não que a diretora japonesa Naomi Kawase aborde aqui um tema leve, muito pelo contrário. Mas o resultado é uma obra sensível sobre a perda da visão e o sentido do próprio cinema.
Misako (Ayame Misake) é uma jovem que faz audiodescrição: seu ofício consiste em narrar cenas de filmes para que eles possam ser desfrutados por espectadores cegos. A missão é intrincada: como traduzir a emoção de uma obra que depende dos olhos para ser plenamente fruída?
Ela topa com o taciturno Masaya (Masatoshi Nagase), fotógrafo talentoso que cai em desgraça porque aos poucos está perdendo a visão. Ele se comporta como um implacável julgador do trabalho de Misako. A trama se constrói a partir da improvável relação entre os dois, num filme que explora os signos da perda da luz, como provam as cenas de pôr do sol.
Naomi Kawase ("O Segredo das Águas", "Floresta dos Lamentos") é a diretora dos sentidos e de como eles embalam os afetos: em seu filme anterior, "Sabor da Vida" (2015), o paladar despertava o apetite para uma história sobre o gerente de uma padaria e uma idosa que era um ás na cozinha.
Em "Esplendor", com o qual a diretora competiu no Festival de Cannes neste ano, a visão (ou a perda dela) abre espaço para uma indagação sobre a natureza do cinema. E deixa a dúvida: não seria o dilema de Misako, dividida entre a descrição objetiva e a sugestão do que as imagens evocam, o dilema da própria atividade do cineasta?
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