Talvez seja hora de observar com atenção o que há com o cinema brasileiro, pois é certo que, desde os tempos do cinema novo, os filmes nacionais não chamavam a atenção no circuito europeu com tanta intensidade como agora. Em especial junto à exigente crítica francesa.
Comecemos por "Gabriel e a Montanha", do carioca Fellipe Barbosa: não só ganhou o prêmio de revelação da Semana da Crítica em Cannes, também conseguiu uma página de (boa) crítica e duas de entrevista na "Cahiers du Cinéma", a mais importante revista de cinema do mundo.
Sua rival "Positif" também foi igualmente favorável ao filme, abrindo caminho para uma rara quase unanimidade na crítica daquele país, que se reflete numa plateia que já chega a 70 mil espectadores.
"As Boas Maneiras", de Marco Dutra e Juliana Rojas, não fica atrás: melhor direção no Festival de Locarno, o filme da dupla paulista foi chamado pela mesma "Cahiers" de "bela surpresa brasileira" para a qual pede "um lançamento na França, rápido".
Exatamente a mesma exigência feita pelo jornal "Libération" a respeito de "Era uma Vez Brasília", de Adirley Queirós (que não veio para a Mostra).
Em comum, esses filmes e esses cineastas têm o fato de todos terem começado a filmar no século 21 e fazerem um cinema que se pode definir como "pós-ideológico".
Não significa que sejam alienados ou favoráveis a alienações tipo "cinema sem partido". Nada disso. Mas nenhum deles parte de uma visão fechada sobre o que sejam o Brasil e o brasileiro. Seu cinema procura observar os fenômenos e mostrá-los. Na forma realista de recriação de um jovem que busca sair de sua classe viajando pela África ("Gabriel"), de fábula de ficção científica ("Era uma Vez..."), de horror ("Boas Maneiras").
A esse grupo pode bem vir se juntar o drama "Arábia", notável incursão à trajetória errante de um operário, do campo à cidade, de emprego em emprego, da vida à morte. A narrativa intimista dos mineiros Affonso Uchoa e João Dumans levou o grande prêmio do 50º Festival de Brasília, em parte graças à formidável narração em "off" do personagem, que faz lembrar o melhor da prosa mineira.
Se esses filmes chegam com tudo, é preciso ainda destacar, entre os mais de 70 filmes nacionais da Mostra, o veterano "outsider" Edgard Navarro, de "Abaixo a Gravidade", ou ainda a Helena Ignez, do belo "A Moça do Calendário".
Ignez, por sinal, está presente na retrospectiva de filmes clássicos, como atriz de "O Padre e a Moça", de Joaquim Pedro de Andrade, de quem também se verá "Macunaíma". De Roberto Santos passa "O Homem Nu"; de Carlos Diegues, "Quando o Carnaval Chegar"; de Leon Hirszman, "Eles Não Usam Black-Tie". Do velho cinema novo ao novíssimo do século 21, o Brasil chega com força.
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