Dentro de um navio cargueiro, no meio da noite, encontra-se submerso no carvão um homem que se levanta com o rosto encardido pelo mineral. A imagem, de incrível força, está logo no início do mais recente filme do finlandês Aki Kaurismäki, "O Outro Lado da Esperança", que levou o prêmio de melhor direção no Festival de Berlim.
O diretor é um dos maiores herdeiros do cineasta francês Robert Bresson, justamente porque não se contentou em seguir os passos de seu mestre, mas procurou sempre o seu caminho pessoal dentro do cinema.
Seus personagens continuam com poucas palavras e expressões contidas no rosto. Refletem o clima gélido e os costumes ríspidos da Finlândia, ou ao menos da Finlândia tal como o cineasta nos mostra. São eternos infelizes à espera de um sopro de sentido em suas vidas. Lidam com os infortúnios de seu tempo, de sua terra.
Logo sabemos que o homem que se escondia no cargueiro é um refugiado sírio. Ao fugir das autoridades, que pretendem deportá-lo, encontra um ex-vendedor de camisas que resolveu montar um restaurante e é acolhido por ele. Mas deve ainda lidar com o preconceito de uma sociedade que está longe de ser perfeita.
Kaurismäki move-se com naturalidade numa seara bem atual. Não é novidade, já que vários de seus filmes foram pautados por crises pontuais e humanitárias.
A questão é que temos aqui um grande cineasta, dos melhores em atividade. Isso quer dizer que, além da manifestação política urgente e da preocupação social de última ordem, temos também uma bela obra de arte, pensada na forma, habilmente encenada e construída com cuidado e paixão.
Após um filme mais contido como "O Porto", este retorno de Kaurismäki ao longa, depois de seis anos, é também um retorno à sua melhor forma. Com "O Outro Lado da Esperança", o diretor volta ao topo da produção contemporânea.
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