Toda vez que passo na rua Major Sertório e avisto seu enorme casarão, fico viajando no tempo. Imagino como seriam os famosos convescotes de dona Veridiana Prado.
Do século 19, o palacete de arquitetura francesa chamou a atenção até mesmo da princesa Isabel, que ficou encantada com o cafofo da matriarca da família Prado.
A suntuosidade fez as festas e saraus no Palacete Veridiana serem disputados a tapa por políticos, barões do café, artistas e celebridades —todos queriam um lugar, nem que fosse no alpendre.
A verdade é que Veridiana pintava e bordava “cazamiga” Maria Angélica Aguiar de Barros, Maria Antonia e Antônia de Queirós —hoje nomes de ruas, o quarteto mandava prender e soltar numa São Paulo que amarrava cachorro com linguiça.
Foi aí que surgiu o DNA boêmio de Santa Cecília e Vila Buarque. Com o tempo, a região virou reduto de artistas e de uma noite conhecida.
A boêmia de Cecílias e Buarques teve seus anos de ouro entre as décadas de 1960 e 1980. Mas é certo dizer que essa vocação está sumindo. Não que eu queira uma boate como a La Licorne em cada quarteirão, mas a noite da região virou uma caretice só.
Sem me tornar o chato do rolê, mas há uma tecla que é necessária tocar: a da gentrificação. Não vou esmiuçar o tema, mas ela deixou a região muito chata. É a “Chata Cecília’’. A sensação que tenho ao andar pelas ruas do bairro é de estar dentro de uma conta de Instagram, onde tudo é certinho e descolado.
Onde estão os bares e restaurantes sem nenhuma cerimônia? Tenho saudades até das lojas de material de construção, que deixavam assentos sanitários expostos.
O máximo da descontração, já perigosamente ameaçada pelos hipsters, é o samba do largo da Santa Cecília, ao lado da igreja —mas sumiram os bebuns errantes, os adolescentes tomando bebidas ruins e até os bicheiros.
Há pouco mais de dez anos, ainda era possível chegar em plena madrugada na Canuto do Val e encontrar biritas, fumaça de cigarro e banheiros com papel de parede de oncinha, tudo cercado pela algazarra de um grupo de prostitutas, que não queriam guerra com ninguém.
Outra certeza era encontrar Adriano Pessini, saudoso editor do Agora São Paulo, figura indefectível nas máquinas de karaokê, cantando alguma canção perdida de Guilherme Arantes. Ao lado dele, uma fila esperava para entoar “Evidências” —canção de número 3.094.
O que temos hoje? Cervejas IPA de manga com rapé de imburana por 30 contos. Em vez de um pé-sujo, uma casa de bolos. E haja bolos! Não faltam estabelecimentos com lousas fofas decoradas com frases motivacionais misturadas a samambaias. Nem mesas rústicas (lindas, aliás), copos feitos com vidros de palmito e uma gim-tônica a cada esquina.
A pandemia, que já gerou 450 mil mortes no país, somada à gentrificação, acabou com dois lugares clássicos.
Um foi o Mate Mania, que tinha comida de avó e era o melhor prato-feito do bairro. Disputadíssimo. Mas senti mesmo a perda do Seu Café, do são-paulino Denis —a portinha mais aconchegante de toda a alameda Barros. Sentado lá, olhando a velha máquina de café, me sentia um personagem de “Cortina de Fumaça”, do Paul Auster.
Lá, a Cecília ainda era santa. Não tinha nada de chata.
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