Elis Regina entrou cedo para as estatísticas de migrantes no Sudeste do país. Tinha 19 anos, em 1964, quando deixou Porto Alegre para tentar se firmar como cantora profissional —primeiro no Rio de Janeiro, depois em São Paulo. Entre idas e vindas, estabeleceu-se de vez na capital paulista no início dos anos 1970, onde remodelou a carreira e explodiu como artista.
A cantora iria se considerar cidadã paulistana até morrer —de forma inesperada, quatro décadas atrás, em 19 de janeiro de 1982, quando tinha apenas 36 anos. "Planalto de Piratininga e não abro", vaticinou Elis em sua última entrevista para a televisão.
Do impacto cultural causado pelo programa "O Fino da Bossa" à realização do espetáculo "Falso Brilhante", São Paulo foi palco de momentos fundamentais da cantora.
Na cidade, ela desenvolveu uma linha musicalmente mais sofisticada, ao passo que se tornou mais interessada no engajamento contra a ditadura militar. Foi em São Paulo também onde a sua morte, que paralisou o país, foi mais sentida. A artista foi velada por 60 mil pessoas, ao longo de 19 horas, no antigo teatro Bandeirantes, na Bela Vista —hoje uma igreja evangélica.
O cortejo fúnebre foi acompanhado por cerca de 200 carros e 30 mil pessoas a pé, em um percurso de mais de 14 km até o Cemitério do Morumby. Pétalas e papel picado eram atirados dos arranha-céus.
Elis dizia que estar na capital paulista significava ficar próxima de um fluxo artístico que aglutinava novidades desde a Semana de Arte Moderna de 1922. "Moderno é ser paulista. Contemporâneo é ser paulistano", brincou ela na mesma entrevista de TV.
Com o sucesso de "O Fino da Bossa", na TV Record, ela comprou um apartamento no edifício Agulhas Negras, no centro. Após o fim do programa, em 1967, diante de uma proposta de contrato com a TV Globo, voltou ao Rio.
Mas exausta do star system carioca e já separada de Ronaldo Bôscoli, Elis retornaria em definitivo a São Paulo em fins de 1973. Nesse recomeço, morou em casas na rua Atlântica, no Jardim América, e na rua Califórnia, no Brooklin.
Nessa época, ensaiou o espetáculo "Falso Brilhante" em uma sala embaixo do viaduto do Chá, no Anhangabaú. O show permaneceu em cartaz de dezembro de 1975 a fevereiro de 1977, no teatro Bandeirantes, com 257 apresentações e 180 mil espectadores.
A cantora ainda morou na serra da Cantareira. "Aqui em cima é muito simples, porque a gente tem a metade da ansiedade que tem lá embaixo", diria. No bairro da Saúde, comprou um bar para os pais.
Desde os 13 anos, quando passou a cantar em programas de rádio e eventos, Elis sustentava o pai e a mãe. Para garantir a independência financeira deles, a cantora adquiriu um negócio para ambos —um boteco paulistano, onde a mãe, Ercy, exerceria seus dotes culinários, enquanto o pai, Romeu, ajudaria na gerência.
Romeu morreu em 1984, dois anos após a filha, e Ercy tocaria o estabelecimento até 1990, quando repassou o ponto para o seu então fornecedor de pães, João Batista.
"Lembro muito dos pais dela, mas não cheguei a conhecê-la. Os moradores daqui falam que ela vinha visitá-los eventualmente", lembra o atual dono.
João Marcello Bôscoli, primogênito de Elis, rememora ainda os passeios com a mãe no Mercado Municipal. "Vendedores queriam dar frutas de graça para a gente, mas ela pedia para que eles vendessem", recorda o filho da cantora.
Como outro exemplo de lugar caro à cantora na cidade, João menciona o 150 Night Club, no hotel Maksoud Plaza, recentemente fechado. "Elis estava na plateia do show do Frank Sinatra, em 1981. Também ia de vez em quando conferir a house band de jazz que tocava na casa", lembra.
Confira abaixo uma lista com dez lugares para conhecer Elis Regina em São Paulo.
Bar da Dona Ercy
Nos anos 1970, Ercy e Romeu, pais de Elis Regina, ganharam dela um boteco. A mãe da cantora cuidou do local até 1990, quando passou o ponto para o seu fornecedor de pães, João Batista, atual dono e quem batiza hoje o espaço.
Av. Ceci, 868, Saúde
Cemitério do Morumby
É onde Elis foi sepultada. Com ampla área verde, é conhecido por ter túmulos de personalidades como Ayrton Senna.
R. Deputado Laércio Corte, 468, Morumbi
Djalma’s
Na praça Roosevelt, é o atual bar Papo, Pinga e Petisco. Lá, Elis fez o seu primeiro show na capital, na madrugada de 5 de agosto de 1964. Na entrada, uma placa relembra essa estreia em solo paulistano.
Pça. Franklin Roosevelt, 118, Bela Vista
Edifício Mello Alves
Foi num apartamento no quinto andar desse prédio que a cantora passou mal, foi socorrida para o Hospital das Clínicas, onde morreu pouco depois. Na calçada, uma placa e uma árvore de pau-ferro homenageiam a artista.
R. Dr. Melo Alves, 668, Cerqueira César
Praça Elis Regina
Inaugurada em 1984 próxima à Cidade Universitária, a praça reforça a relação da cantora com os estudantes durante a ditadura militar.
Altura do nº 1.600 da av. Corifeu de Azevedo Marques, no Butantã
Teatro Paramount
Atual teatro Renault. Fundado em 1929, sediou entre 1965 e 1967 o famoso programa "O Fino da Bossa", apresentado por Elis e por Jair Rodrigues.
Av. Brigadeiro Luís Antônio, 411, Bela Vista
Tuca
Palco de importância política na ditadura militar, recebeu o repertório engajado de Elis em 1974, além do show "Saudade do Brasil", em 1980.
R. Monte Alegre, 1.024, Perdizes
Teatro Bandeirantes
Sede de um recital feito com Tom Jobim, em 1974, e da longa temporada de "Falso Brilhante", entre 1975 e 1977, o teatro sediou ainda o velório da cantora. Hoje, uma igreja evangélica funciona no lugar.
Av. Brig. Luís Antônio, 1.401, Bela Vista
Viaduto do Chá
Para produzir "Falso Brilhante", Elis conseguiu da prefeitura uma sala embaixo do viaduto do Chá. Nela, a cantora ensaiou o histórico espetáculo com o seu grupo à exaustão, durante sete meses.
Pça. Ramos de Azevedo, s/nº, Centro
Vila Itororó
Elis cantou com Adoniran Barbosa na vila tombada, um dos símbolos da região do Bexiga, em um especial da Bandeirantes. Reaberto, o espaço conta com programação cultural.
R. Maestro Cardim, 60, Bela Vista
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