Uma das principais heranças da Semana de Arte Moderna para a cidade de São Paulo está nos prédios clássicos. O mais notável é o Theatro Municipal, que sediou o evento que teve início em 13 de fevereiro de 1922 e mudou o panorama da arte nacional. Mas também guardam memórias as casas de intelectuais do movimento moderno, como Mário de Andrade e Guilherme de Almeida, por exemplo.
São espaços que guardam a ambiência do que foi aquela agitação cultural, diz a professora de patrimônio da Fundação Armando Álvares Penteado, a Faap, Maria de Lourdes Eleutério.
Mas o modernismo não está restrito apenas a esses espaços do começo do século 20. Na verdade, é possível conhecer o que foi a arte e arquitetura modernas —e conhecer um pouco mais das bases da Semana de 22— em locais construídos até os anos 2000 na capital paulista.
"São Paulo é uma cidade em que seus marcos são essencialmente do século passado", afirma Alexandre Benoit, arquiteto e professor da Escola da Cidade. "O modernismo na cidade começa na instância privada, nas residências, e vai ganhando edifícios que se relacionam com a cidade e que assumem uma postura crítica em relação à falta de espaços públicos."
Os dois professores e a turismóloga Tereza Cristina Ferreira Batista, que promove um passeio guiado sobre os modernistas neste mês de fevereiro, sugerem dez espaços para conhecer o modernismo em São Paulo. Saiba mais abaixo.
Theatro Municipal
Para conhecer o modernismo em São Paulo, é preciso começar por onde tudo teve início, defende Maria de Lourdes Eleutério, professora da Faap. Inaugurado em 1911, uma década antes da Semana de 1922 agitar os corredores e o palco do Municipal, o projeto do escritório de Ramos de Azevedo agora abarca uma extensa programação para o centenário do evento modernista. Uma instalação com tecidos na fachada, feita por Chris Tigra, apresentações de coral e show de Dona Onete estão entre as comemorações.
Pça. Ramos de Azevedo, s/nº, República, região central. Tel.: (11) 3053-2100. Programação completa em theatromunicipal.org.br/pt-br/programacao/
Biblioteca Mário de Andrade
O autor de "Macunaíma" e "Pauliceia Desvairada" é fundamental não só para o modernismo, mas também por sua atuação como diretor do Departamento de Cultura de São Paulo nos anos 1930. A Biblioteca Mário de Andrade foi uma das concretizações da política cultural que ele pensou para a cidade, tornando-se também um coração dos modernistas no país. Foi lá, por exemplo, que ocorreu a primeira mostra de uma coleção de arte moderna, sob a batuta de Sérgio Milliet.
A biblioteca também é uma das paradas do passeio guiado Em Busca dos Modernistas, que sai em todos os sábados de fevereiro do Pátio Metrô São Bento, às 11h. A turismóloga Tereza Cristina Ferreira Batista diz que a proposta do roteiro é percorrer lugares que marcaram os encontros —e as desavenças— dos intelectuais da época, como a garçonnière de Oswald de Andrade e espaço onde Anita Malfatti fez a sua primeira mostra.
R. da Consolação, 94, República, região central, tel.: (11) 3150-9457. prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/bma. Grátis
Casa Guilherme de Almeida
A memória de um dos organizadores da Semana de 22 está em parte preservada neste edifício em Perdizes, na zona oeste paulistana, onde o intelectual viveu entre os anos de 1946 e 1969. Além de um acervo com documentos, biblioteca e obras de Di Cavalcanti, Lasar Segall, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti, a casa também preserva a mansarda, no último andar da construção, onde só o dono da casa podia subir.
R. Macapá, 187, Perdizes, zona oeste, tel.: (11) 3673-1883. Site: casaguilhermedealmeida.org.br. Grátis
Parque Casa Modernista
O edifício do arquiteto Gregori Warchavchik, de 1927, é um marco do começo da arquitetura moderna no Brasil, afirma Alexandre Benoit, o professor da Escola da Cidade. Mina Klabin Warchavchik, paisagista e mulher do arquiteto, também fez um uso pioneiro de espécies tropicais no jardim. Além da casa na rua Santa Cruz, há ainda outras duas projetadas por Warchavchik —a da rua Itápolis, restaurada recentemente, e a da rua Bahia.
R. Santa Cruz, 325, Vila Mariana, zona sul. Grátis
Vila Modernista
Quase todos os edifícios do final dos anos 1930 do arquiteto Flávio de Carvalho foram destruídos, mas sobraram alguns exemplares que podem ser visitados —é o caso das galerias Gomide & Co. e Sé. Alexandre Benoit afirma que, nesse projeto, Carvalho buscava uma arquitetura dos trópicos, já vinculada à ideia de antropofagia de Oswald de Andrade.
Al. Lorena, 1.257, Jardim Paulista, zona oeste
Edifício Esther
Ainda nos anos 1930, esse prédio de Álvaro Vital Brazil e Adhemar Marinho se tornou um marco por ser um dos primeiros arranha-céus da capital. Segundo Alexandre Benoit, o edifício de uso misto também já carrega um discurso de buscar uma relação com a própria cidade, algo que marcaria outros projetos que viraram símbolos da cidade nas décadas seguintes. Maria de Lourdes Eleutério lembra ainda que foi ali que morou Di Cavalcanti e onde ficava o Clube de Artistas e Amigos da Arte, que já chegou a ser comandado por Tarsila. Hoje, o topo do prédio é ocupado pelo Esther Rooftop, restaurante dos franceses Olivier Anquier e Benoit Mathurin.
R. Basílio da Gama, 29, República, região central
Galeria do Rock
No final dos anos 1940, a galeria marcou a modernização da capital paulista, com uma ocupação intensa de grandes edifícios. "Temos uma herança do modernismo europeu muito forte, então há um discurso social que temos que adaptar para a nossa realidade, em que não necessariamente é o Estado que promove essa arquitetura", afirma Benoit. "Os arquitetos adotam essa postura em função de uma cidade que não tem espaços públicos."
Junto com as primeiras torres modernas da cidade, as galerias também definem esse período que se estende até os anos 1970. Uma das mais emblemáticas dela é a Galeria do Rock, construída nos anos 1960, que conecta duas ruas e foi pensada por Ermanno Siffredi e Maria Bardelli.
Av. São João, 439, República, região central, tel.: (11) 3331-1530. Site: galeriadorock.com.br. Grátis
Copan
Quase como uma continuação do que foi proposto no edifício Esther, esse edifício emblemático do centro de São Paulo, feito por Oscar Niemeyer, também cria um térreo orgânico, que acompanha a topografia do terreno —e que é uma grande galeria. "Ele é um exemplo muito interessante da forma como o modernismo tenta fazer essa cidade vertical, mas aberta e diversa também. Há lojas e unidades habitacionais de vários tamanhos", lembra Alexandre Benoit. E não faltam opções de lazer na região, que se tornou um grande circuito gastronômico.
Av. Ipiranga, 200, República, região central
Garagem de Barcos de Vilanova Artigas
É no período de instabilidade e de crise no mercado imobiliário nos anos 1970 que surge a escola paulista de arquitetura, capitaneada por Vilanova Artigas e ainda mais engajada socialmente. O prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, a FAU, é um dos marcos do arquiteto —e se tornou um símbolo do movimento estudantil no regime ditatorial. Mas há um outro projeto menos celebrado de Artigas —mas atualmente abandonado, na região da represa de Guarapiranga. Construída entre 1961 e 1969, a Garagem de Barcos é, nas palavras do professor da Escola da Cidade, "uma obra-prima que merece ser resgata".
Av. Atlântica, 4.900, Interlagos, zona sul
Teatro Oficina
O grupo de teatro criado por Zé Celso não traz a antropofagia apenas na proposta artística e cênica. O próprio prédio do teatro propõe ser uma continuação da rua —ou uma grande pista que parece ser invadida pela cidade ou engolir o entorno. Segundo Alexandre Benoit, o edifício dos anos 1980, projetado por Lina Bo Bardi e Edson Elito, bebe da crise do fim da ditadura militar e também da construção do Minhocão, que marca a paisagem urbana. "Ele é uma caixa vazia que guarda, nas paredes, toda a história do Bexiga, das antigas construções e dos terreiros. É uma história viva, que permanece no embate sobre o entorno, que pode virar um parque ou um shopping, como um microcosmo da cidade", diz o arquiteto.
R. Jaceguai, 520, Bexiga, região central, tel. (11) 3104-0678. teatroficina.com
Colaborou Laura Lewer
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