Conheça a primeira escada rolante de SP, que nasceu em 1954 e irá para o ferro velho

Equipamento será substituído por um mais moderno no pavilhão da Bienal, no parque Ibirapuera

Pavilhão da Bienal, no parque Ibirapuera, com as escadas rolantes aos fundos

Pavilhão da Bienal, no parque Ibirapuera, com as escadas rolantes ao centro Adriano Vizoni/Folhapress

São Paulo

"Tem a capacidade para transportar 5.000 pessoas por hora e trabalha numa velocidade de 27 metros por minuto." Era assim que uma reportagem da Folha da Manhã, publicada em julho de 1954, descrevia a máquina tratada como inovadora na época, quase que saída das páginas de livros de ficção científica, e que nunca tinha sido vista antes na capital paulista.

A tal nova tecnologia, descrita então como o que existia de mais moderno em locomoção de pessoas, era algo que hoje em dia é encarado até com certo tédio: uma escada rolante. O equipamento, o primeiro a funcionar em São Paulo, foi instalado naquele ano no pavilhão da Bienal, no parque Ibirapuera, como parte das comemorações de 400 anos da cidade.

Obras para reforma da escada rolante do Pavilhão Bienal, a primeira da cidade, no parque Ibirapuera
A primeira escada rolante de São Paulo, no pavilhão da Bienal - Levi Fanan/Fundação Bienal de São Paulo

Após quase sete décadas de funcionamento e de muitas pessoas transportadas, as escadas rolantes paulistanas mais antigas serão aposentadas. Mais do que isso, elas serão substituídas por novos degraus automáticos, montados com engrenagens mais modernas.

O nascimento do maquinário foi descrito pela Folha de maneira detalhada. "A escada tem marcha reversível, isto é, pode funcionar tanto para subir como para descer. Um motor de dez cavalos aciona os degraus, e o corrimão da escada também é móvel, acompanhando o movimento."

O equipamento causou alvoroço. A abertura foi na noite de 9 de julho de 1954, marcada por uma festa para convidados regada a coquetéis e com uma banda tocando marchas. Antes de serem colocadas em movimento, as máquinas estavam cercadas por "fitas tricolores e auriverdes", que foram cortadas na solenidade pelo poeta Guilherme de Almeida, então presidente de comissão das celebrações do aniversário de São Paulo e da Revolução de 1932.

"Elas representavam um símbolo de modernidade. Tem uma questão simbólica do avanço, do progresso", diz José Olympio da Veiga Pereira, presidente da Fundação Bienal de São Paulo. "Hoje em dia a gente nem liga para escada rolante, mas era uma novidade, algo incomum."

São duas as escadas rolantes instaladas no pavilhão Ciccillo Matarazzo, conhecido como pavilhão da Bienal. Uma transporta os visitantes do térreo para o primeiro andar, a outra faz o caminho do primeiro para o segundo piso, que também podem ser acessados por largas rampas.

O prédio, símbolo de modernidade com suas curvas de concreto armado, foi projetado na década de 1950 por Oscar Niemeyer, responsável pelo complexo arquitetônico do parque Ibirapuera. A construção é tombada nas esferas municipal, estadual e federal.

Durante 68 anos, aqueles degraus automáticos transportaram políticos, artistas e figuras ilustres de diferentes países. Entre os que passaram por lá estão o ex-presidente Juscelino Kubitschek e o arquiteto alemão Ludwig Mies van der Rohe, por exemplo. "Se aquela escada pudesse falar, ela teria muita história para contar", diz Pereira.

Foi no mês passado que ela começou a ser desmontada. O que restou de original foi a mureta em alvenaria de tijolos no entorno e uma escada normal ao lado das rolantes. Ambas fazem parte do tombamento e passam por restauros, que incluem acabamentos na pintura.

O ex-presidente Juscelino Kubitschek sobe as escadas rolantes do pavilhão da Bienal, em 1959
O ex-presidente Juscelino Kubitschek e o arquiteto alemão Ludwig Mies van der Rohe sobem a escada rolante do pavilhão da Bienal, em 1959 - Athayde de Barros/Fundação Bienal de São Paulo

O novo equipamento será instalado neste sábado, dia 12, mas a restauração deve ser concluída apenas em dezembro. O processo de substituição já vinha sendo estudado há dois anos, diz o diretor da Fundação Bienal. Isso porque a última voltinha dos degraus ocorreu em junho de 2019, ao atingir o fim de sua vida útil.

"Como todo componente mecânico, elas têm uma vida determinada pelo desgaste natural, pela qualidade dos materiais usados na fabricação e pela manutenção ao longo dos anos", explica Fabiano Augusto Kluppel, gerente de instalações e comercial da Atlas Schindler, empresa suíça responsável pelas escadas.

O tempo de vida esperado de uma máquina desse tipo, ele afirma, é de 15 anos. "Se a gente pensar que essa ultrapassou a meia-idade, é porque ela tinha um projeto muito robusto." Manutenção e lubrificação frequentes colaboraram com a saúde da sessentona.

Elas, aliás, têm o título de primeiras escadas rolantes de São Paulo quase por acaso. Em 1950 já falava-se da construção de um maquinário, solicitado pela prefeitura, a ser colocado na galeria Prestes Maia, passagem subterrânea que liga o vale do Anhangabaú e a praça do Patriarca, no centro da cidade.

Inauguração das escadas rolantes da Galeria Prestes Maia, em 1955
Inauguração das escadas rolantes da galeria Prestes Maia, em 1955 - Folhapress

Uma série de atrasos na importação dos materiais e no início das obras fizeram com que o equipamento fosse inaugurado só em 1955 —ele também foi trocado por novos, em 2020.

Naquele mesmo ano, a tecnologia começou a aparecer em lojas de departamentos, como as extintas Sears e Clipper, ambas na região central. Com a construção de shoppings e estações de metrô, elas foram se popularizando e ocultando o caráter pioneiro dos degraus da Bienal.

Já a primeira escada rolante do Brasil surgiu em novembro de 1931, na loja Casas da Creança, escrito assim mesmo, no Rio de Janeiro, então capital do país. A mais antiga do mundo foi construída em 1893, em Nova York.

Para a nova escada do Ibirapuera ser encaixada no berço, como é chamado o buraco onde é colocada, foi preciso criar um maquinário do zero. Uma das novidades é a largura dos degraus, que passaram de 60 centímetros para 80 centímetros. A capacidade de transporte também é maior, movimentando agora 6.800 pessoas por hora. A velocidade é de meio metro por segundo.

Os degraus, antes de aço, serão trocados por uma placa única de alumínio. Iluminação entre os vãos, guarda-corpo em vidro e escovas nos rodapés completam a estética moderninha da escada substituta.

Mas, por enquanto, a nova atração continuará desligada, já que não há eventos no local. O público só deverá conhecê-la no próximo evento aberto a visitações, previsto para janeiro.

Enquanto isso, as escadas históricas irão pouco a pouco a sua última casa: um ferro velho, diz o diretor da fundação. "É uma senhora anciã que chegou à sua hora. Agora ela descansará em paz."

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