Teatros icônicos de São Paulo fecham as portas por causa da pandemia

Gestores do Itália, do Frei Caneca e do Paiol Cultural não aguentaram os meses sem bilheteria

São Paulo

A pandemia fez suas primeiras vítimas entre os teatros de São Paulo. Três palcos da cidade foram devolvidos por seus gestores aos proprietários —o Itália, o Paiol Cultural e o Frei Caneca, todos na região central da cidade. O Itália ficava no edifício homînimo, ponto turístico da capital paulista.

Entre os três, o Frei Caneca é o único a ter uma reabertura garantida. Segundo o shopping de mesmo nome, que abriga a casa de espetáculos, um novo operador deve assumir o espaço, que em breve deve voltar a funcionar. Mas não há prazo definido.

Já o Itália e o Paiol Cultural têm destinos mais incertos, embora a administração do Itália afirme que hoje negocia com interessados em gerenciar o local.

O Teatro Paiol em 2012, quando estava sendo reformado
O Teatro Paiol em 2012, quando estava sendo reformado - Victor Moriyama/Folhapress

Os dois são palcos históricos da capital paulista, fundados nos anos 1960. Também compartilham uma história semelhante —depois de serem ocupados por diretores e atores fundamentais para a memória do teatro paulistano, como Antunes Filho, no caso do Itália, e Paulo Goulart, no do Paiol, passaram por um período de decadência nos anos 1990 até receberem grandes reformas na última década.

Mas, sem patrocínio ou uso de leis de incentivo, seus administradores não aguentaram os mais de seis meses fechados por causa do coronavírus.

Rodrigo Ciambroni, à frente do Paiol Cultural há pouco mais de dois anos, conta que entregou o lugar no quarto mês de pandemia. Ele estima que os gastos mensais do espaço, que funcionava como casa de espetáculos e escola de atuação, variavam de R$ 16 mil a R$ 20 mil.

Já o Teatro Itália fechou as portas em setembro. Então, as despesas com aluguel e funcionários, somadas aos R$ 36 mil devidos a produtores que tinham adiantado pagamentos, tornaram insustentável manter o empreendimento, segundo Erlon Bispo, que administra o local ao lado de Cleiton Sousa.

Ele e Ciambroni criticam a lentidão do governo para ajudar o setor. Ciambroni, por exemplo, entregou o Paiol Cultural antes mesmo que a Lei Aldir Blanc —que prevê entre R$ 3.000 a R$ 10 mil mensais em subsídios para espaços culturais— fosse aprovada pelo Congresso, em junho.

Depois disso, ainda se passaram dois meses até que ela fosse regulamentada pelo presidente, Jair Bolsonaro (sem partido), e mais dois até que a prefeitura enfim abrisse o credenciamento aos editais e subsídios previstos pela lei.

"Ficamos perplexos, porque realmente não era emergencial", diz Ciambroni. "Tinha que ser uma coisa a curto prazo, a toque de caixa."

Mesmo para aqueles que não fecharam as portas de vez, a situação é complicada. A Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo (Apetesp), por exemplo, cogita vender o Teatro Ruth Escobar, na Bela Vista, diz a administradora Analy Alvarez —segundo ela, uma igreja evangélica demonstrou interesse no imóvel. O local foi um espaço de resistência na ditadura militar.

Fachada do Teatro Ruth Escobar, na Rua dos Ingleses, 209, zona central de São Paulo - Bruno Santos - 28.abr.2016/Folhapress

Alvarez afirma que a Apetesp gasta em média R$ 80 mil por mês para administrar este e outro teatro importante para a memória de São Paulo, o Maria Della Costa, projetado por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa e localizado a algumas quadras do Ruth Escobar.

Os dois, como o Itália e o Paiol Cultural, dependiam quase exclusivamente de bilheteria, já que os associados que ajudam na manutenção do teatro hoje se reduzem a meia dúzia, segundo Alvarez. Por isso, durante a pandemia, a Apetesp demitiu um funcionário e suspendeu os salários dos demais, que passaram a depender do auxílio emergencial do governo.

Alvarez conta que a Apetesp já inscreveu os dois teatros em seis editais de auxílio emergencial, da Lei Aldir Blanc a um concurso aberto pela prefeitura em maio. O último prometia entre R$ 8.000 e R$ 12 mil para cem espaços culturais independentes na cidade. "Mas não sai nada, não adianta nada", diz ela. "Você não pode fazer um projeto emergencial de seis meses."

A administradora ainda se queixa do formato dos editais lançados na quarentena. Segundo ela, eles privilegiam as companhias, e não as casas de espetáculos tradicionais, que alugam as suas dependências. "Não tenho nada contra os teatros de grupo, mas eles não têm faxineiro, bilheteiro. Não é o nosso caso. Temos uma equipe interna, que chega às 14h e sai à meia-noite."

Para tentar driblar a crise, o Maria Della Costa reabre neste fim de semana, com a comédia "A Banheira".

Alvarez avalia que é uma aposta arriscada, pois o custo de adaptar o teatro aos protocolos de segurança e higiene são altos e os funcionários, sem salário, serão remunerados com cachês diários.

"Estamos preferindo ir devagar, mesmo porque não dá para abrir dois teatros ao mesmo tempo", ela afirma. "Mas tenho a impressão que este ano não dá mais." Afinal, explica, em geral em novembro as peças interrompem as suas temporadas. Em dezembro, os espetáculos de fim de ano das escolas de dança que funcionavam como uma fonte de renda extra não devem acontecer.

Para piorar, uma vez reabertos, há chance de que os problemas aumentem ainda mais para estes teatros, diz Alvarez. "Enquanto está tudo fechado, o problema é do governo. Quando reabrimos, a responsabilidade passa a ser nossa."

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