No entorno, cabines que lembram as de peep show abrigam o público que assiste à história e flerta com o voyeurismo. Como se participassem de algo privado, enquanto atores se misturam a um coração de luzes de LED que pisca ao fundo, os espectadores vão se ambientando à peça "Nossos Ossos", adaptada do romance de mesmo nome escrito por Marcelino Freire.
Dirigido por Kleber Montanheiro, o espetáculo marca a volta da Cia. da Revista, em São Paulo, que finalmente abrirá as portas após suspender as atividades em março do ano passado por causa da pandemia. "Nossos Ossos", que recebe o público a partir de sábado, dia 30, conta a história de Heleno de Gusmão, um dramaturgo pernambucano que veio para São Paulo atrás de um amor.
A trama, embalada por cenas de beijos e de pegação, mostra o personagem resgatando no necrotério o corpo de Cícero, um michê com quem ele se relacionava e que foi assassinado nas ruas de São Paulo. A partir daí, Heleno se impõe a missão de levá-lo até Poço do Boi, a cidade natal do rapaz, em Pernambuco —trajeto no qual começa a relembrar da sua própria infância no sertão. As composições da pernambucana Isabela Moraes ajudam a deixar o clima ainda mais intenso.
O espetáculo é o primeiro de uma trilogia que será encenada no projeto "Conexão São Paulo - Pernambuco", com três peças que conectam os dois estados e comemoram os 25 anos da Cia. da Revista, celebrados no ano que vem.
Kleber Montanheiro, o diretor, conta que encontrou o romance de Marcelino Freire enquanto buscava por artistas pernambucanos para o projeto e que se encantou com o clima de dor e perda da narrativa, acompanhada por uma poética delicada. "Apesar de ser uma síntese do romance em uma hora, um espetáculo compacto, há muitos trechos que são do Marcelino", diz.
Até porque o escritor circulou pelo universo do teatro no Recife. "Toda vez que escrevo meus contos, eu penso em teatro, penso no ator e na atriz em cena", diz Freire. Uma versão online de "Nossos Ossos" também estará disponível no Facebook da companhia, feita a partir da visão de um dos personagens, que filma com o celular 15 minutos do espetáculo.
A segunda peça a chegar aos palcos será uma versão de "Tatuagem", filme de Hilton Lacerda que causou burburinho quando lançado, com Jesuíta Barbosa e Irandhir Santos no elenco do longa. "A gente enterra os mortos em ‘Nossos Ossos’ e vai para a festa nesse outro espetáculo", diz o diretor.
A ideia é fazer com que a peça "Tatuagem" recrie a Chão de Estrelas, companhia teatral fictícia que protagoniza o filme e que serviu de inspiração para uma nova série de Lacerda.
Assim como em "Nossos Ossos", em que a cenografia feita por Montanheiro integra a dramaturgia, com uma espécie de voyeurismo em uma cabine com um plástico que embaça a vista, "Tatuagem" tem cenário que também faz parte do show. Mas dessa vez não é pensando no aspecto de proteção sanitária por causa da Covid-19, e sim para fazer com que a plateia se sinta no Chão de Estrelas, sentada em mesas com serviço de bebidas durante a apresentação.
A expectativa é que a peça estreie em março, quando a equipe espera que a pandemia esteja ainda mais controlada no país. "A gente está de olho, andando conforme a dança", diz o Montanheiro. Em "Tatuagem", essa dança será embalada por músicas de As Baías, e trilha sonora inédita escrita por Assucena Assucena, ex-integrante do grupo.
A terceira peça, que fecha a comemoração, é "João", prevista para ser lançada no segundo semestre do ano que vem. Ela se baseia na obra de João Cabral de Melo Neto, autor de "Morte e Vida Severina" que migrou de Pernambuco para o Rio de Janeiro.
Além da conexão entre São Paulo e Pernambuco, há também um outro pilar forte no projeto: a temática LGBTQIA+.
"O projeto como um todo parte de uma ideia de entender melhor as relações de amor, de tolerância. Não só no sentido da comunidade LGBTQIA +, mas também na aceitação dos nordestinos, porque existe ainda muito preconceito." afirma o diretor.
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