No monólogo cômico "A Arte e a Maneira de Abordar Seu Chefe para Pedir um Aumento", Marco Nanini repete a bem-sucedida parceria com o diretor Guel Arraes, com quem trabalhou em "O Burguês Ridículo" (1996) e "O Bem-Amado" (2007).
O espetáculo nasceu apenas como um exercício cênico. Pareceu à dupla um bom treino de direção e de atuação o texto do autor francês Georges Perec (1936-1982) --que, ao lado de seu grupo OuLiPo, se propunha a encontrar dificuldades para escrever, muitas delas com viés matemático.
Aos poucos, a montagem foi ganhando escopo e público. Já passou por uma dezena de cidades brasileiras e estreia nesta sexta-feira (1º/11) uma temporada no Sesc Vila Mariana (zona sul de são Paulo).
Os ingressos custam de R$ 6,40 a R$ 32 e estão à venda em qualquer unidade do Sesc ou no site da instituição.
Em cena, um palestrante cria um complexo organograma combinando probabilidades (com perguntas cujas respostas são "sim" ou "não") para se conseguir um aumento.
Mas o esquema é pouco conclusivo, e a narrativa leva ao ridículo da situação, ironizando aspectos da vida moderna e do corporativismo. O que começa como uma palestra de autoajuda termina como uma explanação de "antiajuda", define Arraes.
"É um texto muito requintado, não é um humor da cair da cadeira", diz Nanini. "Mas existe uma ironia muito saborosa."
CONFIRA ENTREVISTA COM O ATOR MARCO NANINI
Guia Folha - De que maneira você e o diretor Guel Arraes decidiram encenar esse texto do francês Georges Perec?
Marco Nanini - Guel me apresentou esse texto há uns 10 anos e a gente achava que era uma boa oportunidade para fazer um exercício de direção e atuação. Mas foi difícil agendar as nossas datas na época e também não tínhamos encontrado um espaço físico em que a gente pudesse fazer isso. Nós começamos a fazer [a peça] como exercício mesmo, sem pretensão comercial alguma. Mas acontece que o projeto ganhou editais e abrangeu um público grande. Nós já nos apresentamos no Rio de Janeiro e fomos para Curitiba, Porto Alegre, Brasília, Salvador, Belém e Manaus.
O texto, apesar de cômico, é bastante complexo. Ele consegue ainda ser popular?
Não é um texto que a gente possa chamar de palatável. É muito requintado. Perec participou na década de 1960 de um grupo que se chamava OuLiPo e que reunia escritores que também eram matemáticos. Eles se propunham a encontrar dificuldades para escrever. Perec, por exemplo, tem um romance todo escrito sem a vogal "e" e um outro em que a única vogal é a "e". Não é exatamente um texto popularesco, e o humor não é de cair da cadeira de rir. Mas existe uma ironia muito saborosa. É uma palestra, como Guel diz, de "antiajuda", porque o pobre coitado não consegue nada.
E como tem sido a recepção do público durante toda a temporada?
Tem me surpreendido. Um público ou outro fica frio, provavelmente porque esperava alguma coisa do Lineu [personagem do programa "A Grande Família"], sei lá eu. E não é exatamente isso. E, às vezes, o público reage de uma maneira muito boa. Não é um espetáculo muito longo, mas tem muitas palavras repetidas e com modificações muito sutis no texto. E isso às vezes cansa o espectador menos avisado.
Você diz que a maneira de dirigir do Guel Arraes se assemelha à do próprio Perec. De que modo?
Eu brinco com ele porque Guel estudou matemática também. E ele tem todo um esquema de produção e eu me identifico muito. Ele apresenta muitas dificuldades para o ator, e eu gosto. Quando ele faz um filme, por exemplo, já chega ao set com todas as marcações estudadas. Ele é muito organizado, e isso me dá muita tranquilidade, porque eu não sei trabalhar muito na confusão. Ele vai me dando sugestões e ele me ouve bastante.
Em cena, como funciona esse "organograma"? De que modo o personagem leva uma questão tão subjetiva para um método tão matemático?
Perec partiu de um organograma de computador baseado em opções de "sim" ou "não". No livro, ele tem um esboço do computador, um mapa. Na peça, nós temos imagens com esse organograma, mas ele é só uma sugestão de como seria a coisa. Na verdade, o que Perec faz são milhares de suposições que o funcionário tem para pedir um aumento. Na primeira, ele vai procurar o seu chefe. Mas será que ele vai estar no escritório? Se ele estiver no escritório, é isso que acontece. Se ele não estiver no escritório, é outra coisa que acontece. Então uma coisa leva a outra. Ele vai desdobrando as possibilidades, sempre com novas questões para a pessoa resolver.
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