Peça-filme 'Desfazenda' discute silenciamento dos negros e passado nazista brasileiro

Em cartaz virtualmente, obra mistura poesia, cinema e teatro para repensar o racismo

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São Paulo

Quatro personagens negros, cores monocromáticas, músicas e papo reto é o plano de fundo de “Desfazenda – Me Enterrem Fora Desse Lugar”, mistura de filme, peça de teatro e apresentação de slam. A obra, que estreou no final de junho no Itaú Cultural, agora tem nova temporada online e esta disponível no youtube do grupo até domingo, dia 11.

Produzido pelo grupo O Bonde, o espetáculo usa a poesia falada para contar uma história obscura e debater o silenciamento dos negros.

O filme acompanha o dia a dia dos personagens identificados como 12, 13, 23 e 40, reunidos por um padre branco quando eram crianças com a desculpa de uma guerra que estava para chegar à fazenda onde moravam. Em forma de gratidão, os quatro trabalham duro para manter o lugar em ordem.

Dirigida por Roberta Estrela D’Alva, a produção inicialmente era uma peça de teatro —mas, com a pandemia, precisou mudar de formato. “Quando vimos, em dezembro de 2020, que as coisas não iam melhorar, decidimos partir para o audiovisual. Deixamos os textos menores e gravamos tudo em três dias, sempre mantendo os protocolos de segurança sanitária”, ela diz.

Inspirado no documentário “Menino 23”, que relata a descoberta de tijolos marcados com suásticas nazistas em uma fazenda no interior de São Paulo em 2012, “Desfazenda” aborda assuntos que não são mencionados no filme e reconstrói a história escravocrata brasileira. Por causa da falta de documentos da época, o grupo fez uma reconstrução poética para imaginar o que teria acontecido nessa fazenda.

O sentimento do passado cruel e o presente desanimador para os negros é demonstrado de forma bem dura pelos atores enquanto declamam seus textos. Vozes negras silenciadas pelo racismo e pela violência policial, como Kathlen Romeu, João Alberto e Ágatha Félix, são incorporadas dentro das várias camadas do roteiro, escrito por Lucas Moura.

Tijolo com símbolo nazista no documentário "Menino 23"
Tijolo com símbolo nazista no documentário "Menino 23" - Divulgação

Na história, contada em 70 minutos, a guerra nunca chegou à fazenda, e as reais motivações do padre branco começam a ser postas em dúvida. Repensar as intenções da bondade do antirracista em ser correto apenas por desencargo de consciência é uma das questões que surgem no decorrer do filme.

As restrições de um trabalho realizado em tempos pandêmicos são percebidas na tela —não há quase nenhum elemento em cena, apenas o uso de iluminação para compor o cenário e os movimentos dos atores.

“No Brasil, a gente tem um grande problema que é a inexistência de reparação histórica com as pessoas negras”, diz Estrela D'Alva ao comentar como o filme combina com o atual momento do país. “O resultado é esse racismo generalizado de hoje. Contar, criar e recriar as histórias dos negros corrobora com esse momento em que é urgente tornar nossas vozes cada vez mais ouvidas”, ela diz.

DESFAZENDA - ME ENTERREM FORA DESSE LUGAR

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