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Teatro

Ir ao teatro na pandemia é um descanso virtual recheado de medo de contaminação pela Covid

É impossível ficar calmo com espectadores reunidos num ambiente fechado

Sessão de reabertura do Teatro Amazonas, em Manaus

Sessão de reabertura do Teatro Amazonas, em Manaus Bruno Kelly/Folhapress

São Paulo

Depois de 15 meses assistindo somente a peças virtuais, presa em casa, ir presencialmente ao teatro foi a promessa de um descanso visual —e virtual.

Ver espetáculos virtuais é cansativo. Ainda que algumas companhias cheguem a formatos ideais para as telas, com monólogos curtos, interação com usuários e dramaturgia formatada exclusivamente para aplicativos como o Telegram, é inevitável ter ruídos na concentração. Afinal, as telas do computador e do celular são as mesmas que reúnem as mensagens do trabalho e onde encaramos as maratonas de séries. Fora isso, nada me faz acostumar com a perda da escala humana nas gravações dos palcos e com as vozes robóticas que chegam pelas saídas de som.

Pensando nisso, ir ao teatro e se sentar de novo numa poltrona na plateia em tempos de pandemia é uma experiência que até se cumpre —só que ela não evita a sensação de paranoia constante.

O teatro escolhido foi Sérgio Cardoso, que retomava as apresentações presenciais na última quinta-feira, dia 17, com a São Paulo Companhia de Dança. O intuito era chegar pouco antes da peça, ficar no espaço aberto da entrada o máximo possível e me sentar faltando alguns poucos minutos para o início da apresentação. Mas qualquer coisa que saia desse roteiro aumenta o nervosismo, mesmo que o teatro siga os protocolos de segurança, tenha funcionários paramentados, faça a medição de temperatura dos presentes e mantenha as cadeiras marcadas e distanciadas.

Por que as pessoas estão parando para tomar um café e conversar em roda? Acho que mais do que duas pessoas por vez estão usando esse elevador. A distância entre os espectadores da minha própria fileira parece adequada, mas será mesmo que estou a mais de um metro de quem está à minha frente? Quem está falando atrás de mim está usando uma máscara PFF2?

À medida que a plateia vai enchendo, qualquer pedaço ocupado parece abrigar uma multidão. Diferentemente das exposições em museus e galerias, onde é possível manter a distância caminhando na direção oposta dos que estão no espaço e até de ficar em ambientes mais arejados, os teatros são absolutamente fechados, com poltronas que não parecem ter um distanciamento suficiente.

As casas de espetáculo sabem que essa não é uma operação fácil em meio a uma pandemia que ainda mata mais de 2.000 pessoas por dia no Brasil. Tanto que a maioria dos espaços não reabriu tão logo a retomada foi permitida em São Paulo, em abril.

Mesmo com a volta do circuito cultural aquecendo na capital, com programação teatral em mais de 20 endereços, vários deles apostaram numa programação híbrida, mantendo suas apresentações virtuais. Foi o caso do teatro Sérgio Cardoso.

Quem quiser acompanhar a programação, mas preferir adiar a ida aos teatros por enquanto, pode se manter em casa e assistir a tudo virtualmente —aliás, essa é a opção mais segura enquanto a vacinação ainda não cobre uma parcela importante da população.

Mas não é exagero dizer que o momento em que a iluminação começou a revelar as sílfides no palco foi um dos poucos no último ano que me fizeram desligar da crise sanitária, e de tantas outras, pela qual estamos atravessados. Isso apesar das duas máscaras apertando meu rosto e de um óculos que ainda fica embaçado ao respirar com elas.

Até as interferências um tanto incômodas do público pareceram menos graves na sala presencial do que no Zoom, em que se procura com frequência quem é o usuário que não desliga o microfone e atrapalha a cena. A senhora que constantemente se perguntava na plateia se os bailarinos estavam nus, por causa dos figurinos próximos ao tom de pele, era recebida com uma risada baixa pelos presentes, mas logo a trilha sonora ganhava a atenção de novo.

A sensação catártica que atravessou o público ganhou seu contorno mais claro ao fim de "Só Tinha de Ser com Você", de Henrique Rodovalho. Ao som de "Águas de Março", a plateia aplaudiu a companhia em pé, seguindo os versos da música, e era possível ouvir mais de um espectador comentando o alívio que sentiu com essa apresentação.

Mas o medo de se contaminar volta tão logo as luzes são acendidas e é possível ver as pessoas reunidas num mesmo espaço fechado —mesmo que, com as palmas, fique mais evidente que não é uma multidão que toma conta das poltronas.

Poucas dinâmicas foram mais angustiantes do que a saída, organizada por fileiras. Com grupos se despedindo com abraços, a vontade era sair correndo para a porta e encontrar ventilação o mais rápido possível. Os poucos minutos de espera pareceram o tempo exato para ser atingida por algum perdigoto, e o retorno à segurança de casa foi o segundo alívio da noite.

Em tempo: as apresentações de "Les Sylphides" e "Só Tinha de Ser com Você" se encerraram no último domingo (20). Mas de quinta (24) a domingo (27), a SPCD exibe o segundo ato de "Giselle".

SÃO PAULO COMPANHIA DE DANÇA - PROGRAMA 2: 'GISELLE – ATO II E AGORA'

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