Musical 'Tatuagem' estreia cheio de sexo, libertinagem e críticas a Bolsonaro em SP

Espetáculo é inspirado em filme homônimo de Hilton Lacerda e faz público interagir com atores

São Paulo

Cheia de acessórios ultracoloridos, figurinos carnavalescos e cenas interativas, "Tatuagem" se junta ao filão de musicais que estão de volta aos palcos de São Paulo.

"O papa tem cu, o nosso ilustre presidente tem cu, a classe operária tem cu. E, se duvidar, até Deus tem o onipresente, onisciente e onipotente cu", anuncia o espalhafatoso personagem Clécio Wanderley em uma das performances mais famosas de "Tatuagem", filme de Hilton Lacerda que inspirou a nova peça, causou burburinho e venceu o Festival de Gramado em 2013.

A cena é repetida igualzinha no espetáculo, que estreia nesta quinta, dia 14, no teatro da Cia da Revista, em São Paulo. Mas o musical é recheado de outros deboches, mais atualizados ao contexto atual, com personagens cantando que "o nosso presidente tem cu no lugar da boca" e imitações caricatas da voz de Bolsonaro quando surge no palco uma autoridade conservadora.

Atores da peça 'Tatuagem', dirigida por Kleber Montanheiro
Atores da peça 'Tatuagem', dirigida por Kleber Montanheiro - Rodrigo Chueri/Divulgação

A produção é costurada por 23 canções da banda As Baías —antigamente chamada de As Bahias e a Cozinha Mineira—, que chegou ao fim no ano passado. Com hits como "Uma Canção Pra Você (Jaqueta Amarela)", "Fumaça" e "Das Estrelas", apresenta também "Tatuagem", que Assucena, ex-cantora de As Baías, fez exclusivamente para o espetáculo. Mas "Volta", faixa de Johnny Hooker que marca o filme, ficou de fora da montagem.

Essa é a segunda peça do projeto "Conexão São Paulo - Pernambuco", que celebra os 25 anos da Cia. da Revista com uma trilogia. Fazem parte "Nossos Ossos", adaptação do romance homônimo de Marcelino Freire que ficou em cartaz no ano passado, "Tatuagem" e "João", inspirada na vida e na poesia de João Cabral de Melo Neto e prevista para estrear no segundo semestre deste ano.

Com direção de Kleber Montanheiro, "Tatuagem" dispensa o palco italiano e coloca o público lado a lado com os atores, deixando a plateia sentada em banquinhos e cadeiras que compõem o cenário. É como se as pessoas fossem um grupo de figurantes.

Na mesma atmosfera voyeur de "Nossos Ossos", em que público ficou dentro de cabines espiando cenas embebidas de sensualidade, o novo musical também traz cenas picantes e libertinas, como a da primeira transa entre Clécio Wanderley e Fininha, os protagonistas, líder da trupe e um jovem soldado, respectivamente.

Nela, uma luz neon azulada ilumina os corpos seminus dos atores Cleomácio Inácio e Mateus Vicente, que se entrelaçam simulando um sexo anal —cena que é um dos destaques do filme de Lacerda, com Irandhir Santos e Jesuíta Barbosa.

A história se passa no Brasil dos anos 1970 e apresenta a fictícia trupe teatral Chão de Estrelas. Símbolo da contracultura, o grupo ganha fama com peças cheias de ironias contra o conservadorismo e o autoritarismo da ditadura militar. É nesse contexto que surgem em cena faixas estampando nomes como Carlos Marighella, Zuzu Angel e Vladimir Herzog.

"A Chão de Estrelas vivia em meio à ditadura e queria mostrar ao mundo a sua liberdade. Hoje vivemos numa democracia, mas existe algo velado acontecendo. Não sabemos quais são as regras do jogo de agora", diz Montanheiro, ao explicar as referências que a peça faz ao Brasil atual.

Segundo ele, o próprio Lacerda, diretor do filme original, demonstrou interesse em ver as alusões ao país de hoje no espetáculo, já que o contexto político da época do lançamento do longa-metragem era "completamente diferente". "Estávamos no governo Dilma. De lá para cá, muita coisa mudou. Fazer 'Tatuagem' agora tem outro significado", afirma o diretor.

Tatuagem

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