Um ator fantasiado de peixe bate com a mão na testa e gira o braço em torno da cabeça enquanto faz uma dancinha típica dos virais do TikTok. Mais adiante, uma mulher com tentáculos roxos surge no palco e diz que a plateia não imagina o prazer que ela sente em estar de volta, resgatando o bordão usado numa novela brasileira que viralizou na internet.
São cenas do musical "A Pequena Sereia", que passou por São Paulo em 2018, foi reformado e ganhou uma versão mais moderninha. A peça estreou em julho no teatro Santander, na zona oeste da capital, e fica em cartaz até o fim de novembro.
Para fisgar crianças e adolescentes, o texto abusa de piadinhas que soam mais engraçadas para os jovens do que para os adultos.
O peixe Linguado, por exemplo, incrementa várias de suas coreografias com passinhos tirados de danças famosas nas redes sociais. Algumas crianças na plateia levantam os dedos, apontando para o palco, empolgadas por reconhecerem os movimentos.
A vilã Úrsula, que já tinha jeitão de diva no filme lançado pela Disney em 1989, ganhou uma roupagem ainda mais contemporânea no musical brasileiro.
"O boy é um bafo", ela exclama, fazendo caras e bocas. Solta também um "bela, recatada e do lar", expressão que virou meme depois de ser usada pela revista Veja para definir a então primeira-dama Marcela Temer em 2016. É como se a personagem estivesse imitando comentários que leu no Twitter.
O texto foi alterado para atender também a outras exigências do zeitgeist. Agora o caranguejo Sebastião diz a Ariel que ela deve se preocupar com o que é delicado —e não com assuntos de menina, o que poderia soar sexista.
O crustáceo falante, aliás, está no centro de outra mudança. Na nova versão do musical, atores negros foram escalados para interpretar os papéis do príncipe Eric e do próprio Sebastião. Em 2018, os personagens eram levados aos palcos por pessoas brancas.
A substituição ocorre em meio a uma polêmica: A atriz negra Halle Bailey vai interpretar Ariel no novo filme da Disney dedicado à Pequena Sereia, que estreia no ano que vem. Ela foi alvo de comentários racistas quando o primeiro trailer do longa foi divulgado. Depois, circularam nas redes vídeos em que garotinhas negras se surpreendem ao ver a atriz como Ariel.
A questão aqui não é a adaptação ou a injeção de diversidade. Para o musical, tanto faz a cor de quem interpreta os personagens. Até porque "A Pequena Sereia" foi lançado há mais de 30 anos, é razoável que novas adaptações tentem atualizar questões da história.
O problema é que às vezes o texto falha em parecer moderninho. Há piadas no musical que soam deslocadas do contexto, feitas só para forjar uma relação fajuta entre personagens e público brasileiro.
Exemplo é o momento em que os capangas de Úrsula interrompem o fluxo de uma cena para fazer piada com a música "Vamo Pula!", da dupla Sandy e Junior, numa referência que soa cafona —e velha. Ou quando trocadilhos como "o mar não está para peixe" são usados sem freio nem critério.
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