Descrição de chapéu LGBTQIA+
Teatro

Espetáculo resgata memória de Jorge Lafond, a Vera Verão

'Jorge para Sempre Verão' tem texto escrito pela prima do ator e cumpre temporada no Sesc Santana

São Paulo

Saindo de uma festa há três anos, a produtora e dramaturga Aline Mohamad se viu numa situação inédita. Estava atraída por uma travesti. O interesse súbito causou uma série de questionamentos na cabeça da artista, que mergulhou numa análise interna sobre os preconceitos e as crenças que cultivou ao longo da vida.

Cena do espetáculo 'Jorge para Sempre Verão"
Cena do espetáculo 'Jorge para Sempre Verão' - Diego do Subúrbio

Deste mergulho, submergiu com uma carta endereçada a seu primo, o ator e bailarino Jorge Lafond, célebre por interpretar a personagem Vera Verão em um dos quadros mais populares do humorístico "A Praça é Nossa". Distante do ator durante toda a sua vida, Mohamad entendeu que a falta de relação vinha muito mais de um lugar entranhado de preconceito que carregou ao longo da vida.

Lafond já estava morto há pelo menos 17 anos quando Mohamad escreveu a carta em que buscava uma aproximação com o primo, mas, por incentivo de amigos, a artista decidiu transformar os escritos em uma peça. Ao lado de Diego do Subúrbio, gestou "Jorge para Sempre Verão", que chega ao palco do Sesc Santana nesta sexta (20).

"Se você conversar com um homem ou uma mulher que sejam negros retintos, vai ouvir que em algum momento eles foram chamados de Vera Verão como uma forma de xingamento, principalmente quando eu era adolescente, então sempre houve uma coisa depreciativa, e isso sempre me afastou muito da figura dele", conta a dramaturga.

Com elenco formado por nomes como Alexandre Mitre, Aretha Sadick e Noêmia Oliveira, do elenco do Porta dos Fundos, a obra narra um encontro entre os primos, distanciados por questões como o preconceito e a forma como o público lia a personagem celebrizada por Lafond.

"Na peça nós separamos os corpos do Jorge e da Vera, porque inclusive eu acho que hoje a Vera ainda é muito mais viva que ele."

Produzido como uma espécie de "espetáculo de cura", "Jorge para Sempre Verão" busca também reconciliar a memória nacional com o legado artístico do ator, bailarino e comediante carioca.

"Temos uma urgência de humanizar essa personagem, que vem para somar e ratificar o que já foi construído. O próprio Jorge disse que ele não seria esquecido, e de fato não tem como esquecê-lo. Ele está estabelecido pela sociedade brasileira", explica Rodrigo França, diretor da montagem.

Embora queiram sublinhar a importância que Lafond teve na construção artística do país, diretor e dramaturga acreditam que a personagem vai além e celebra um legado de liberdade, a mesma que o ator não teve quando precisou lidar com episódio controverso nos bastidores do SBT.

Ao ser convidado a participar de um programa da emissora caracterizado como Vera Verão, o ator recebeu um pedido da produção para que se retirasse da atração e trocasse de roupa para que a próxima atração, o padre Marcelo Rossi, pudesse entrar. À época, divulgou-se que foi um pedido do próprio padre.

"Ele passou por um grande dilema na história da televisão brasileira, que retrata o que é o país em relação à população negra e LGBTQIA+. A violência de ter que sair do estúdio de TV para trocar de roupa, pois um padre entraria, nos mostra o quanto é cruel sermos nós mesmos", reflete o diretor.

O episódio é tratado de raspão no espetáculo, mas ainda hoje é lido como essencial para o processo que levou o ator a ser internado em dezembro de 2002 —ele morreu no mês seguinte, em janeiro de 2003, aos 50 anos.

"Eu acho que isso tudo é um resultado geracional. Eu não sei qual corpo o Jorge assumiria hoje, se ele assumiria o corpo de Vera ou não. Mas o que eu percebo é que isso já não é mais uma ofensa, porque a gente entende a importância desses corpos e os enxergamos como motivo de orgulho", acredita a dramaturga.

Jorge para Sempre Verão

  • Quando 20/1 a 21/2 (sex.e sáb. às 20h, dom. às 18h)
  • Onde Sesc Santana ( av. Luiz Dumont Villares, 579 - Santana)
  • Preço R$ 40 | R$ 20 (meia)
  • Classificação 14 anos
  • Autoria Aline Mohamad e Diego do Subúrbio
  • Elenco Alexandre Mitre, Aretha Sadick e Noemia Oliveira
  • Direção Rodrigo França
  • Acessibilidade

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem

Últimas

Ver mais