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Teatro

King Kong Fran convida homens a serem mulheres por um dia

Lotando até as sessões extras, espetáculo é um provocante subversão dos papéis de gênero

São Paulo (SP)

"Minha peça acontece no limiar do constrangimento e do terror. Mas apenas para metade da plateia. Para a outra metade, é só comédia, humor, curtição." Essa fala presente no espetáculo define bem o espírito de "King Kong Fran". Enquanto a maior parte do público, as mulheres, racha de dar risada, os poucos homens presentes sentem um misto de apreensão e vergonha. É que ali, talvez pela primeira vez, eles estejam do outro lado do jogo.

Para a maior parte da plateia, de mulheres, monólogo é engraçado; para os homens, "fica no limiar do constrangimento e do terror", como diz o texto
Para a maior parte da plateia, de mulheres, monólogo é engraçado; para os homens, "fica no limiar do constrangimento e do terror", como diz o texto - Divulgação

Fran, a personagem-título da peça teatral, é uma palhaça que chega ao palco vestida de gorila e com um vibrador gigante acoplado à sua cintura. Entre a performance de uma versão forró de "Toxic", de Britney Spears, e uma dezena de tiradas sagazes sobre a própria excentricidade da cena, ela começa a interagir com os homens da plateia. Especialmente com os bonitos. Pede para que eles troquem de lugar, que se toquem e até mesmo que tirem a roupa. "É que eu adoro ver dois caras se pegando", ela afirma com sarcasmo, mais uma vez arrancando risadas da plateia.

São situações que seriam absolutamente inaceitáveis se os envolvidos fossem do gênero contrário. Mas, justamente por subverter os papéis tradicionais, as cenas ganham outro contorno —que a princípio parece vingança, mas logo se mostra pedagógico. Em meio à peça, a personagem discorre sobre referências como a famosa atração circense da Monga, a mulher-gorila, o filme "King Kong" e um depoimento da própria intérprete de Fran, Rafaela Azevedo, autora do texto encenado com direção de Pedro Bricio.

Aos 21 anos, numa consulta médica, a atriz foi vítima de estupro. O público fica sabendo disso quase ao final da peça, quando Fran parece estar prestes a usar seu cinto com uma prótese de pênis para simular uma penetração em um homem pinçado da plateia. Ela não o faz, mas deixa claro: o ato de não fazer, assim como o de fazer, é uma escolha. Uma escolha que os homens, por sua natureza, têm à mão. "Isso aqui, não se esqueçam, é poder", diz ela segurando o objeto, que também faz as vezes de microfone.

A densidade do relato em nada tira o caráter cômico do espetáculo, mas adiciona várias camadas de compreensão. O que antes parecia meio nonsense se revela um trauma ressignificado no palco e com um senso de humor bastante afiado.


King Kong Fran
Teatro MorumbiShopping - av. Roque Petroni Júnior, 1.089, Jardim das Acácias, região sul. Seg., às 21h e ter., às 19h e às 21h. Até 6/2. 18 anos.R$ 80 (inteira) em Sympla.com.br

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