Uma luz meio baixa, algumas mesinhas e um balcão que preenche um pequeno salão quase de ponta a ponta formam a paisagem do bar Domo, na Vila Buarque, na região central de São Paulo.
Mas as protagonistas do espaço ficam nas laterais dacasa, coladas em uma estante recheada por garrafas e discos de vinil —são duas grandes caixas de som de onde saem sets de DJs queridinhos e escolhas afiadas de colecionadores de LPs.
É que o negócio, que abriu as portas em julho, se autodenomina um bar de audição —ou um listening bar, como o conceito ficou conhecido pelo mundo desde que deixou Japão, onde foi inventado sob a denominação de jazz kissa na década de 1920, e acabou tomando novos formatos até chegar em São Paulo. Só nos últimos meses, três bares do gênero foram inaugurados na cidade.
Na prática, a versão abrasileirada da ideia pode ser resumida com o que acontecia na noite do último sábado, 30, no Domo. Enquanto comes e bebes eram servidos, Nyack —que acompanha o rapper Emicida em shows e faz parte da festa Discopédia— passou a noite tocando exemplares de seus vinis compactos que raramente tira de casa.
Sentados, os 30 clientes que cabem ali conversavam ao som de faixas de Chaka Khan, Parliament e Loose Ends, mas também reagiam a elas, se remexendo nas cadeiras ou até parando para acompanhar a letra—como aconteceu quando "Lilás", de Djavan, tocou.
O som sai em uma altura que não atrapalha o papo, mas que passa longe de uma mera trilha de fundo. A ideia desses espaços é agradar os audiófilos com um sistema de som de alta fidelidade e uma seleção musical acurada, que importa na mesma medida, ou mais, que a gastronomia.
No Domo, que tem a assinatura dos donos do Takko Café, Flávio Seixlack e Rodolfo Herrera, e de Denis Fujito, por exemplo, cada detalhe da disposição do espaço, antes ocupado por uma sapataria, é pensado. "A gente tem o ruído que vem da cozinha, dos talheres, das vozes e da música. Então precisamos absorver essas frequências de som para que a música chegue nas pessoas de maneira clara e definida", explica Herrera.
Os métodos ficam quase todos visíveis aos clientes. No teto, por exemplo, foram penduradas grandes placas laranjas para absorção do som, e nas paredes, uma cobertura de madeira com furinhos vai sobre um forro de lã de rocha, que faz o isolamento. "A música fica na sua cara, com definição, mas você não precisa gritar a noite inteira para conversar. E você sabe que outras pessoas estão no bar, mas não consegue definir o que elas falam", diz o sócio.
As experiências do Domo, do Matiz e do Elevado Conselheiro, outros bares do tipo inaugurados nos últimos meses, no entanto, não seguem à risca o conceito original japonês, que exige silêncio absoluto dos clientes para ouvir o jazz. "Se a gente faz isso aqui a gente apanha", brinca Herrera. "Simplesmente transpor isso para o Brasil é muito difícil".
É por isso que Yuri Mendonça, sócio do Matiz junto com Caio Maddalena e Lucas Góngora, evita cravar que a casa, inaugurada em setembro, é um listening bar —embora cite o conceito em seu projeto.
"Quando esse conceito vem para o Ocidente ele acaba perdendo um pouco da essência porque a gente precisa confraternizar. Não dá para ser só ouvir música, tem que ser para conhecer pessoas, tomar um drinque bom, comer algo de qualidade", diz.
Com capacidade para 120 pessoas, a casa tem um terraço com vista para os prédios do centro e uma parte interna aconchegante com poltronas e sofás. A noite ali pode lembrar o Caracol, inaugurado em 2018 e considerado pioneiro entre bares da cidade que se preocupavam com som e curadoria de primeira—o negócio de Millos Kaiser fechou em março e funciona temporariamente no Conjunto Nacional enquanto não abre a nova sede, que deve ficar pronta no fim do ano.
A discotecagem do Matiz não se reduz aos vinis —uma outra regra dos listening bars. Os clientes também não ficam todos sentados, e em algumas noites uma pistinha é formada em frente ao DJ. Mas tudo ali, como janelas, mobiliário e teto, também é pensado para criar o conforto acústico.
O mesmo acontece no Elevado Conselheiro, de Guga Roselli e Leandro Mattiuz, que abriu as portas em agosto, na Bela Vista, em uma casa construída em 1904 e que também foi renovada para dar conta da qualidade de som exigida.
"Eu costumo dizer que os clubbers envelheceram. E aí a gente quer continuar ouvindo música, quer continuar tendo esse tipo de experiência, mas agora com um certo conforto, sem aquela coisa de vodca com suco de laranja", afirma Roselli.
Os sócios dos bares inaugurados também apontam a abertura de bares do modelo em cidades como Londres, Lisboa e Nova York nos últimos anos e a pandemia como outros fatores que podem ter feito os bares de audição chegarem ao Brasil agora. demia, como fatores que abriram caminho para os bares do gênero aqui.
"Na pandemia, muita gente começou a colecionar discos e a investir em equipamentos de som em casa. O ato de ouvir música deixou de ser uma coisa que acontecia só no fone, então é natural que você tenha lugares que reflitam esse comportamento de maneira comercial", diz Herrera.
Mendonça diz que o Matiz é como a sala de estar onde se ouvia música com poucos amigos na pandemia. "Por mais restritivo que tenha sido aquele momento, a gente ainda se juntava para se conectar em meio ao caos. Viver esses ambientes íntimos com certeza foi um divisor de águas no consumo das pessoas".
Domo Bar - r. Major Sertório, 452, Vila Buarque, Instagram @domobarsp. Turnos: das 19h às 21h15 e das 21h30 às 24h
Elevado Conselheiro - r. Conselheiro Ramalho, 800, Bela Vista, Instagram @elevado_conselheiro
Matiz - R. Martins Fontes, 91, Centro, Instagram @matizbarsp
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