Anexo do Espaço Itaú de cinema, que vai fechar, foi vital para dar nova vida à Augusta

Última sessão do endereço, inaugurado em 1995, acontece na quinta-feira (16) e será gratuita

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São Paulo

O Espaço Augusta de Cinema ainda não tinha um ano de funcionamento quando o exibidor Adhemar Oliveira viu a placa de "aluga-se" na casa do outro lado da rua.

O cineasta Carlos Reichenbach lembrou-lhe que ali funcionara o Instituto Goethe, com uma sala para projeção que se tornara mítica entre os cinéfilos paulistas por exibir quase todos os filmes do novo cinema alemão.

Área externa do anexo do Espaço Itaú de Cinema Augusta
Área externa do anexo do Espaço Itaú de Cinema Augusta - Eduardo Knapp/Folhapress

Adhemar decidiu ampliar o cinema, na rua Augusta, inaugurado em outubro de 1993; alugou a casa e começou as obras de adaptação. Seis meses depois, em 28 de março de 1995, abriu o anexo, com duas salas de exibição, café, sala de cursos e um jardim para lançamento de livros.

O conjunto de cinco salas de cinema ajudou a dar nova vida à rua Augusta, que há tempos andava bem caída. O anexo foi vital para que o lugar se tornasse ponto de encontro, tanto porque as suas duas salas ajudavam a esticar o tempo de exibição dos filmes, como, sobretudo, porque o café foi se tornando quase uma parada obrigatória —e não só dos cinéfilos.

O Café Fellini, como se chamou, foi concebido como um lugar de espera das sessões, mas tornou-se ele próprio um ponto de convívio ou reunião de trabalho para muitas pessoas que trabalhavam ou circulavam por ali.

Há quem diga que um psicanalista atendia regularmente em uma de suas mesas. Pode ser: pedindo um chá ou um café, dava para passar horas ali sem ser perturbado e longe do barulho da rua. Daí um abaixo-assinado que tentava evitar o fechamento do anexo ter alcançado mais de 25 mil assinaturas. Não era apenas solidariedade com a dona do café: nossa alegria também estava em jogo.

O anexo do Espaço Itaú de Cinema na rua Augusta terá sua última sessão na próxima quinta-feira (16), quando será exibido o documentário "A Última Floresta", com entrada gratuita.

As salas do anexo não eram as melhores do complexo. Ainda assim dá para lembrar com certa saudade da antiga sala 5. Chegava-se a ela por uma escada no exterior do prédio para entrar numa salinha espremida, com não mais de 50 lugares, cuja saída era pela mesma escada. Hoje, isso seria proibido por qualquer norma de segurança decente.

Com o tempo o anexo se modificou. A sala em frente ao café, que ora foi depósito, ora serviu a uma livraria e ora a uma loja de produtos amazônicos, foi aberta. Para lá foi a bilheteria. À direita, uma escada levava a uma sala de cursos; à esquerda, outra conduzia à sala 5 reformada: agora com 30 poltronas confortáveis, mas sem o mesmo encanto da original (entre outras razões, porque não raro era preciso chegar com uma sessão de antecedência para pegar lugar).

Sala 5 do anexo do cinema que será fechado na rua Augusta
Sala 5 do anexo do cinema que será fechado na rua Augusta - Eduardo Knapp/Folhapress

É preciso lembrar que desde a saída do grupo francês Gaumont, o Belas Artes mergulhara em soturna decadência, e só seria reaberto em 2004, um ano antes do surgimento do Reserva Cultural, na avenida Paulista.

Antigas opções como o Picolino e o cineclube Elétrico (ex-cine Monark), ambos na Augusta, assim como o Bijou, na praça Roosevelt, já não existiam. A Sala Cinemateca, na rua Fradique Coutinho (hoje Cinesala), em Pinheiros, já tinha vivido seus melhores anos.

Para resumir, Espaço Itaú de Cinema da Augusta e anexo foram por muito tempo o único respiro dos fãs de cinema "de arte" em São Paulo. Respiro literalmente: eram cinemas de rua, correspondendo ao que era no Rio de Janeiro o Estação Botafogo (que por aqui tanto invejávamos, diga-se). Isso, numa época em que os grandes circuitos eram dominados quase inteiramente pelo cinema de Hollywood e investiam apenas em salas de shopping center.

A possível demolição do anexo desencadeou, além do famoso abaixo-assinado a fúria de arquitetos, urbanistas, uma associação de moradores e até do Ministério Público do Estado de São Paulo, que tentam forçar a Prefeitura de São Paulo a se manifestar sobre um pedido de tombamento feito em outubro do ano passado —sobre o qual o Conpresp (órgão municipal do patrimônio histórico) ainda não abriu o bico.

Com o anexo perde-se mais um dos já raros cinemas de rua da cidade para dar lugar a outro empreendimento imobiliário numa cidade já tomada por eles. Mas não é só: junto com ele irá todo o casario em volta.

O mundo começou, muito recentemente, a perceber o quanto a deterioração do ambiente incide sobre nossas vidas.

Talvez seja preciso cuidar não só da Amazônia (o que é urgentíssimo), mas também dos horizontes: de nossa capacidade de andar numa rua e nos surpreendermos com as ofertas de tal loja, de levantar os olhos e sermos capazes de olhar a paisagem ao longe.

Ou de, por que não, parar diante dos cartazes de um filme num cinema de rua e resolvermos entrar para ver o que acontece lá dentro. São coisas que dizem respeito à saúde —talvez não apenas à mental.

Última sessão do Espaço Itaú de Cinema Anexo

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