A trama de "Ubu Rei" narra a trajetória de um casal que, entregue à barbárie, lidera uma invasão à Polônia, depõe seu rei e, aos poucos, dinamita instituições até enlouquecer e cair em desgraça
O texto do pai do teatro do absurdo, Alfred Jarry, geralmente encontra paralelo em "Macbeth", clássico de William Shakespeare. Entretanto, para o diretor Gabriel Villela, a história de ascensão e queda do Pai Ubu e da Mãe Ubu também guarda semelhanças com o cenário político brasileiro.
Essa relação foi um dos motivos que levou o encenador a se reunir com o grupo Os Geraldos para montar o espetáculo, que estreia nesta sexta (27) no Sesc Consolação. Em 2019, eles haviam produzido também a montagem de "Cordel do Amor sem Fim".
"É uma fábula repleta de ironias em torno do que é o poder. Quando começamos o projeto, no momento pré-eleitoral, vimos o surgimento de massas buscando espaços de confrontação a céu aberto. Fizemos esse paralelo [com o enredo da peça]", diz Villela.
A obra traça o perfil alegórico de um político que se torna rei usando de trapaças e artimanhas, incentivado pelo personagem de Mãe Ubu, figura que introduz na cabeça do marido ideias sobre como seu governo deveria ser --o que, mais tarde, resulta em uma sucessão de atrocidades.
"O pós-pandemia nos ajuda a analisar melhor os fatos políticos. E, remontando à tradição da cultura latina que é de um humor irônico, 'Ubu' ri do desespero de um povo, também inspirado pela cultura europeia de rir das tragédias.
Encenada desde o período pré-eleitoral em turnê pelo país, a montagem, com adaptação assinada pelos irmãos Bárbara e Gregório Duvivier, bebe da linguagem circense e traz figurinos mais lúdicos, quase fabulares, que contrastam com a crueza da tragédia política --que mantém o espectador sempre atento às referências a manchetes de jornal nos últimos tempos.
Nos ensaios, Villela e os atores do grupo Os Geraldos buscavam manter aberto o processo de criação das cenas para que pudessem incorporar as notícias do campo político, em especial da ascensão da ultradireita. Ele afirma que passagens do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2023) serviram de inspiração para o personagem principal, interpretado por Douglas Novais.
Já a Mãe Ubu, vivida por Paula Mathenhauer Guerreiro, encontra ecos na ex-titular do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, diz o encenador. "Damares Alves se sobrepõe ao trágico para tirar um sorriso de nervoso de quem vê,porque rimos da tragédia, e talvez não haja tragédia maior."
Embora traga um conteúdo de drama político, o diretor frisa que "Ubu Rei" é uma comédia. "Pegamos aquilo que o Brasil pode reconhecer de imediato, pois a comédia é isso, um reconhecimento instantâneo que produz o riso."
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