Felipe Hirsch mostra Brasil "intraduzível" em nova peça; leia entrevista

Apresentado pela primeira vez na Feira de Frankfurt deste ano (na qual o Brasil foi homenageado), "Puzzle" estreia no Sesc Pinheiros (zona oeste de São Paulo).

Os ingressos custam de R$ 4,80 a R$ 24 e estão à venda em qualquer unidade do Sesc ou no site da instituição.

Projeto grandioso do diretor Felipe Hirsch, o espetáculo é baseado em 15 textos de autores contemporâneos brasileiros e mostra uma nação cheia de contradições.

"É uma vontade de falar um pouco sobre esse país intraduzível, tanto no aspecto literário quanto no social", explica Hirsch, que considera ser esta a sua obra mais experimental e coletiva.

A montagem é dividida em três partes, apresentadas em dias distintos. A primeira (encenada às quintas) mostra de forma mais abrangente a produção literária brasileira. A segunda (sextas e sábados) aborda um extrato social do país. Já a terceira (domingos) é a mais lírica.

"Desenhamos essa partitura, que começa num país inteiro e acaba dentro de um diário íntimo", diz Hirsch.

Informe-se sobre o espetáculo



LEIA ENTREVISTA COM FELIPE HIRSCH:

Guia - Em "Puzzle" você apresenta uma realidade brasileira muito diferente da que o mundo está acostumado a ver. O que você quis mostrar com o trabalho?
Hirsch - Uns três anos antes do convite para a feira (de Frankfurt) eu vinha lendo literatura brasileira e eu sempre quis fazer um espetáculo sobre autores de literatura brasileira. O tema é uma urgência muito grande hoje no país. É engraçado, porque, no início dos ensaios, a gente tinha até uma cena em que passávamos um trecho de Carmen Miranda. Era uma homenagem bastante delicada e muito amorosa, mas eu tirei do espetáculo justamente para não ser lido como uma crítica ao estereótipo brasileiro, sabe? Existe em "Puzzle" uma vontade de falar um pouco sobre esse país intraduzível. Tanto na sua literatura quanto na sua língua e na sua sociedade, entender um país tão rico e tão miserável, tão agressor e tão agredido.

O título da peça vem de um conto do Amilcar Bettega Barbosa e define um pouco a estrutura da peça. É também uma referência a esse lado intraduzível?
Eu encaro o "puzzle" de duas maneiras diferentes. Primeiro como uma palavra poética, dessas que (Paulo) Leminski usava para tentar traduzir um sentimento. E também traz uma ideia de ser desafiado, de criar contrastes entre peças.

E como foi a escolha desses autores cujas obras foram base para a peça?
Nesses três anos eu devo ter lido mais de cem autores, sem dúvida. A gente conversou com 50 escritores no final e eu falei abertamente: vou levar para o ensaio e não sei o que vai acontecer. Eles todos foram muito generosos e a gente acabou selecionando 15 textos. Mas muita coisa ficou de fora. Eu fui muito pouco racional na escolha, levei tudo para o ensaio, a gente conversou muito e eu não queria criar ganchos entre uma coisa e outra. Eu queria que a peça formasse uma partitura emocional.

Como é essa divisão em três partes do espetáculo?
A primeira parte é essa sensação de um país intraduzível, estranho, da nossa incapacidade de traduzir e de socialmente perceber e como contar isso para o mundo. A segunda parte é a nossa classe média rica, esse pequeno mundo no qual nós estamos inseridos também. E a terceira é muito mais ultralírica, sobre o ato de ler e de escrever, muito mais mais íntima e individual. É talvez mais dolorida, mas menos aberta. Eu fui desenhando essa partitura, que começa num país inteiro e acaba dentro de um diário íntimo.

Vocês já tinham desde o início essa ideia de dividir o espetáculo?
Não, foi tudo acontecendo e é bastante experimental também. É de longe meu espetáculo mais experimental, mais coletivo. Foram muitos artistas reunidos e opinando, criando, como Daniela Thomas (cenografia), eu, esses sete atores incríveis --Felipe Rocha, Georgette Faddel, Isabel Teixeira, Luna Martinelli, Magali Biff, Marat Descartes e Rodrigo Bolzan --, a participação do (artista) Rafael Coutinho, dos escritores Maurício Dias e Walter Riedwig e muitos outros. É um espetáculo um pouco indominável, que considera o acaso, o impossível e todas as dificuldades e as falhas que a gente tem. É uma peça viva nesse sentido.

Como foi a recepção na Feira de Frankfurt?
Eu fiquei muito surpreso. Eu pensei que, dentro de uma feira de literatura, três ou quatro pessoas se interessassem em uma programação teatral. Mas teve dias lotados, um interesse enorme. E foi engraçado que, quando a peça começou, dez alemães já saíam porque não queriam saber daquilo, se sentiam um pouco agredidos. Depois os outros 300 que ficavam tiveram um interesse enorme pelo texto. E eu ficava pensando como aquilo estava sendo traduzido e lido. Na terceira apresentação a gente teve problemas na legenda e precisamos parar. Pensei que as pessoas iriam embora. Mas eles esperaram 20 minutos para a legenda voltar. E, no dia seguinte, retornaram para ver as outras partes. Talvez não tivessem nada melhor para fazer em Frankfurt (risos). E a gente teve uma crítica incrível da imprensa alemã. Então foi muito bacana, uma lua de mel.

Você comentou uma vez que acha que quem assiste à peça "sente" mais do que "entende" seus significados. De que forma você acha que o espectador absorve a montagem?
O espetáculo foi construído em cima de emoções, ele é muito sensorial. A gente conservou a literatura, não é dramaturgia. A partir do momento que você considera que tem que construir algo emocional, algo que gere contrastes, você não espera muito que as pessoas vão racionalizar sobre isso. Elas vão ser tomadas por um épico, por uma "tour de force" emocional. É um espetáculo que não se apresenta como o teatro se apresenta hoje em dia. Tudo faz parte de um grande "happening".

Você já comentou que escuta muitas músicas e anota coisas que podem ser usadas em trabalhos futuros. Nesse caso, você leu coisas que pensou em guardar para outras peças?
Sempre. Muitas coisas ficam desse trabalho para posteriori, eu não sei dizer hoje do quê, mas logo acontecerá. Eu sinto que eu estou numa época na minha vida em que eu tenho limpado mais que acumulado. Eu acumulei muito e agora, até para que o foco seja mais direto, mais belo mesmo, eu sinto que é hora de lapidar mais. É engraçado que eu fale isso porque "Puzzle" é muito pouco lapidado, é todo cheio de pontas. A lapidação não é de uma forma exata, às vezes é de um desenho abstrato. Então eu tenho lapidado coisas focadas, mas, ao mesmo tempo, repletas do meu mundo.

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