Contos "surreais" de Haruki Murakami viram peça com atores globais no Sesc

Cinco contos do livro "O Desaparecimento do Elefante", do premiado japonês Haruki Murakami, estão na peça homônima, adaptada por Monique Gardenberg (que dirige ao lado de Michele Matalon) e que estreia neste sábado (30) no Sesc Pinheiros (zona oeste de São Paulo).


Para transpor para o palco o universo de estranhamento dos escritos, Monique tentou trazer à cena a essência da obra de Murakami sem deixar de lado a sua poesia.

"Não foi fácil. Mas está tudo lá: o pensamento poético de seus protagonistas, as situações cotidianas, o absurdo permeando todas as histórias", explica a encenadora.
Para tanto, a iluminação de Maneco Quinderé, o cenário de Daniela Thomas e Camila Schmidt, com camadas translúcidas, e a trilha sonora colaboram para a ambientação onírica comum ao escritor.

O elenco --André Frateschi, Caco Ciocler, Clarissa Kiste, Fernanda de Freitas, Kiko Mascarenhas, Maria Luisa Mendonça, Marjorie Estiano, Rafael Primot e Rodrigo Costa-- busca também o tom cômico de Murakami.

Em alguns dos esquetes, foram trazidas referências externas. No caso de "Sono", sobre uma mulher que deixa de dormir por 17 dias sem que sua família perceba, a trama foi mesclada a um clássico russo: "Anna Karenina", de Lev Tolstói.

Informe-se sobre a peça


LEIA ENTREVISTA COM MONIQUE GARDENBERG

GUIA - Demorou cerca de cinco anos para vocês conseguiram a autorização para adaptar a obra de Murakami. Como foi esse processo?
Moniqe Gardenberg - Primeiro pedimos os direitos para uma prudução para o cinema. Murakami respondeu que não gostava de ver sua obra na tela. Então propusemos o teatro. Mesmo assim não funcionou. Tentamos uns anos depois, mas ele seguia negando. Quando já não pensávamos mais no assunto, a advogada Andrea Francez se ofereceu para tentar pela terceira vez. Ela disse que adora missões impossíveis, mas só acreditamos quando o contrato chegou assinado. Talvez ele próprio [Murakami] tenha tido a chance de reavaliar sua posição nesses anos todos!

Alguns contos de "O Desaparecimento do Elefante" já tinham sido adaptados para o teatro em uma produção inglesa de 2003. Vocês conheciam o trabalho? Buscaram alguma referência nele?
Sabíamos do trabalho, pois um amigo, formado em literatura japonesa, nos contou. Alan Poul, produtor de Jenipapo e de Mishima. Foi ele quem me apresentou a obra de Murakami há muitos anos. Nunca assistimos a montagem do Simon McBurney, mas soube que ele teve que passar meses no Japão até convencer Murakami e montar a peça com atores japoneses.

A obra de Murakami não tem uma narrativa muito tradicional, geralmente levando o absurdo para situações cotidianas e com uma poesia e uma linguagem muito particulares à literatura. Como foi traduzir essa linguagem para o teatro?
Não foi fácil. Mas acho que consegui trazer para o palco a essência de sua obra. O tempo todo nossa preocupação era justamente instaurar a estranheza que sentimos ao ler seus contos. Sem deixar que a ação matasse a poesia de sua escrita. Está tudo lá: o pensamento poético de seus protagonistas, as situações cotidianas, o absurdo permeando todas as histórias. Costumamos brincar que, enquanto em "Os Sete Afluentes do Rio Ota" [peça dirigida por Monique e Michele Matalon em 2002] o sub-texto de todas as histórias era "Caramba!", em "O Desaparecimento do Elefante" o sub-texto é "Oi?".

Por que a escolha desses cinco contos ("O Pássaro de Cordas", "O Comunicado do Canguru", "Sono", "Segundo Ato" e "O Desaparecimento do Elefante")? O que as atraiu neles?
Porque nos afetaram de alguma maneira. E todos guardam uma certa estranheza, uma atmosfera surreal. Em todos eles também podemos sentir a visão de Murakami sobre a inexorável solidão do homem contemporâneo. E sempre de forma muito bem humorada. Outros contos foram cogitados, mas eram mais realistas e acabaram sendo abandonados. Optamos pela estranheza, esta é a grande marca do autor.

Crédito: Divulgação Caco Ciocler e Fernanda de Freitas em cena do espetáculo "O Desaparecimento do Elefante", adaptação da obra de Haruki Murakami

Há algum conto de sua preferência e algum que foi mais difícil de adaptar?
Gosto de todos, igualmente. Juro. O mais prazeroso de adaptar foi "Segundo Ataque". Por ser uma comédia rasgada e porque tive a inspiração de transformar a jovem numa japonesa punk de Harajuku [região de Tókio] e o rapaz num mano meio sequelado. Eu me diverti imaginando tudo isso e mais ainda quando os atores começaram a se jogar na busca dessas criaturas. O mais difícil de adaptar foi "Sono", porque decidi misturar o texto de Murakami com "Anna Karenina". No início fiquei na dúvida se deveria mesmo saltar de Marakami para Tolstói. Mas logo em seguida, com o lançamento do livro "1Q84", pude comprovar que o próprio Murakami faria isto: misturaria sua obra com um clássico russo. Mesmo assim era uma idéia ambiciosa e arriscada, mas acho que encontramos um caminho.

Além do cenário de Daniela Thomas e Camila Schmidt, com camadas translúcidas no palco, que outros recursos vocês utilizam para traduzir o universo onírico de Murakami?
As projeções, a luz, a trilha sonora e, especialmente, os atores. O elenco era carente de informação, afinal partimos de pequenos contos do autor. Mas eles conseguiram desenhar criaturas surpreendentes, à altura do imaginário do Murakami.

Em cena, há muitos atores que já trabalharam com vocês em outras produções. Como foi a escolha do elenco?
Para achar esse universo nós precisávamos de atores criadores, corajosos, que confiassem no nosso trabalho e topassem uma busca conjunta. Assim, convidamos atores de "Rio Ota" --Maria Luisa Mendonça e Caco Ciocler--, de "Inverno da Luz Vermelha" (Marjorie Estiano, André Frateschi e Rafael Primot) e atores familiarizados com a comédia, como Clarissa Kiste, Fernanda de Freitas e Kiko Mascarenhas. O humor é uma marca registrada do Murakami.

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