Não é comum um filme ser aplaudido pela imprensa no Festival de Cannes. Spike Lee pode contar essa vantagem. Com a dramédia “Infiltrado na Klan”, forte candidata ao Oscar 2019, o diretor viaja aos anos 1970 para alvejar um nome contemporâneo: Donald Trump.
É a sombra do presidente americano que se alastra nessa trama, inspirada no caso real de um policial negro que conseguiu se infiltrar na organização racista Ku Klux Klan (que apoiou a candidatura do republicano).
David Duke (Topher Grace), grande entusiasta de Trump e líder local da KKK na época, é tapeado pelos policiais Ron (John David Washington, filho de Denzel) e Flip (Adam Driver). Desbaratar a organização tem sentido especial para Ron, que é negro e vinha enfrentando o dilema de monitorar ativistas afro-americanos. Para Flip, que é judeu, a tarefa é igualmente arriscada, já que a Klan também é antissemita.
Do lado dos racistas, Lee constrói personagens que poderiam ser seus vizinhos ou colegas, um manifesto atual de que o homem comum é capaz de barbaridades.
Lee joga para torcida: escolhe Alec Baldwin (conhecido por imitar Trump) para uma ponta, bota na boca de David Duke a fala de que é preciso trazer “a grandeza da América de volta” e inclui cenas da marcha de supremacistas brancos em Charlottesville.
Boa parte das louvações que “Infiltrado na Klan” colheu se devem a essas alfinetadas pouco sutis, o que não tira seu mérito como ótimo filme policial. Pode não chegar ao nível de “Faça a Coisa Certa” e “Malcolm X”, mas está entre os pontos altos da carreira do maior cronista das tensões raciais americanas.
No Brasil dos radicalismos atuais, assistir ao longa tem um gosto especial. E amargo.
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